Segunda-feira, Abril 30, 2007

Paúra alheia.

São duas horas da manhã e eu estava até agora sentada na frente da televisão.
Eu diria "grudada". E descobri algumas coisas que eu não sabia.
Uma delas é que a gente se apega às pessoas que vê crescer na TV.
Eu estou falando de Jack Osbourne - o garoto engraçado e gordão, de cabelo horrível e barriga imensa, que só fazia bobagem aos 15 anos. Eu adorava o Ozzy e a Sheron, a filha cujo nome acaba de cair no buraco negro do meu cérebro... oops... lembrei: Kelly, mas os meus preferidos eram Jack, Lola e sua relação estranha. Jack era a cara de Lola que era a cara de Jack. Ambos feios demais e com comportamento bastante parecido: bizarro!
Pois então...lá estava eu zapiando quando vi um garoto feio e magrinho tentando desesperadamente descobrir se devia ou não cumprir o desafio que impôs a si mesmo: escalar o El Capitan - a pedra mais alta do Yosemite National Park.
No momento em que descobri que aquele garoto era o Jack, fiquei encantada com a determinaçõ dele em mudar a própria vida. A última notícia que eu tive dele era que, contrariando todos os desejos de seus pais, Jack tinha se tornado um junkie! Viciado em anfetaminas e consumindo todas as drogas que passavam à sua frente, ele foi internado, estava mais obeso do que nunca. Wow! Até dá pra entender: era um menininho quando ficou famoso e passou a ser assediado por gente muito mais velha, para sair à noite, frequentar boates, etc.
Acontece que Jack deu um basta em tudo e resolveu desafiar a si mesmo. Se adrenalina era o que ele gostava, decidiu buscar adrenalina onde ela realmente está: nos esportes radicais. Durante seis meses ele treinou sem parar, filmou vários programas escalando, esquiando, saltando de para-quedas, lutando box...mas seu desafio maior seria o El Capitan. E ele conseguiu. Bom...ele conseguiu mas eu não.
Eu sabia que tinha medo de altura, desde pequena. Eu não subo nem num banquinho para trocar uma lâmpada, o que é um exagero...pero no mucho. A verdade é que se for evitável, eu fujo. Fujo da escadinha, do banquinho, do elevador, do elevador panorâmico (máquina de tortura desenvolvida por algum anormal), montanhas russas, chapéu mexicano, passeios turísticos como mirantes, torres, etc.
Fujo porque me sinto mal. Acho lindo...adoraria poder sentir o que os outros sentem, mas sou incapaz. Hoje sou muito melhor do que anos atrás, mas sofro ainda. E muito. Fiquei vendo o Jack escalar a montanha, só por ele. Foi aí que descobri que a gente se apega às crianças que crescem diante dos nosso olhos. Fiquei torcendo por ele, mas constatei o que eu quase já sabia: eu passo muito mal simplesmente por pensar em grandes altitudes. Fiquei grudada na cadeira, estômago virando, mão no rosto...morrendo de medo! Medo que ele caísse. Medo que eu caísse. Que horrível!
E aí pensei seriamente numa terapia. Muito seriamente. Porque meu medo de altura é tão ridículo que eu chego a ter medo pelos outros.
Lembrei que, quando estava no Epcot com as crianças, achei que conseguiria ir com elas no "Soaring". Claro! Eu sou equilibrada, eu sei que é um brinquedo, eu sei que é seguro. Ah-hã, claro! Que pavor!
Eu grudei na cadeira, abri os olhos muito exporadicamente, suei frio e quase chorei. Não consigo! Não consigo achar graça em sentir frio na barriga. Por mais linda que seja a paisagem. E era lindo: vôos rasantes no Grand Canyon, em San Francisco, em praias maravilhosas, montanhas com neve...mas eu sofri desesperadamente!
E foi assim hoje. Sofri vendo o Jack Osbourne escalar pela TV. Sofri vendo onde eles passavam as noites. Sofri quando um dos caras se espreguiçou de manhã na rede. "Aaaagh! Queito! Não se mexe assim!"
Juro...eu fiquei muito orgulhosa do Jack. E juro também...eu vou pra terapia.

Bom dia.
(com meus pezinhos no chão).

Sábado, Abril 28, 2007

The Zimmers (Post roubado)




Um grupo formado por 40 idosos - alguns centenários - é a mais nova sensação na Inglaterra. Eles são o The Zimmers (nome em inglês dado ao andador usado pela terceira idade) e gravaram "My generation", do The Who, uma das canções mais conhecidas do rock, que tem na letra o "desejo de morrer antes de envelhecer".

A expectativa é a de que os senhores possam se tornar, a partir do dia 21 de maio - quando lançam o single - a primeira banda da terceira idade a entrar nas paradas de sucesso do Reino Unido. O grupo começou por acaso, com o principal vocalista, o aposentado Alf Carretta, de 90 anos, que ligou para a BBC para reclamar de um bingo que fechara perto de sua casa. O produtor do canal Tim Samuels estava colhendo histórias para um documentário sobre as dificuldades encontradas pela terceira idade na Inglaterra e teve a idéia do cover de "My generation" de bengalas para chamar a atenção para a causa.

A capa do single é baseda na famosa imagem dos Beatles atravessando a faixa de pedestres de Abbey Road e a trupe se reuniu para gravar no lendário estúdio. Tudo com muito bom humor, marca do grupo. A receita de venda do single, que também estará disponível para download, será destinada a instituições beneficentes ligadas à terceira idade.

O videoclipe de "My generation" foi inserido no YouTube no início de abril e já foi visto por mais de um milhão de pessoas e despertou interesse da indústria fonográfica. Os idosos do grupo não imaginavam tanto sucesso. Já há a possibilidade de uma miniturnê pela Europa.

(Post roubado do Solda, hoje, porque vale a pena!)

Acho tudo isso genial! Eu não quero morrer antes de ficar velha. Mas quero ficar velha com alegria e uma vida legal. Talvez seja hora de eu comprar a idéia do velho Alf, e já começar a fazer alguma coisa para que, em 30 anos, a vida dos velhos seja muito melhor do que é hoje. Afinal...todos nós vamos precisar.

Bom findi, crianças.
Não esqueçam: este dia vai chegar!


Sexta-feira, Abril 27, 2007

Na onda do Top Ten

A Lili fez a lista dela. Era um Top 5. Veio a Carol Garofani e fez um Top 10. Briga daqui, briga dali, resolvi fazer o meu.

TOP 10 HOMENS MAIS MAIS DO PLANETA.
• na modestíssima opinião de uma quarentona •

Introdução necessária: Do alto de seus 45 anos, uma mulher já tem outros olhos. (Não, não estou falando de vista cansada) Já fica mais fácil enxergar a beleza que não imprime na foto, que não está nos traços, que vai além de uma carinha bonita. Explicado isso, lá vai:

ABSOLUT NUMBER ONE: Johnny Depp
Dispensa defesa. É lindo sem ser perfeitinho. É genial. É sem dúvida o melhor ator de sua geração. É o máximo quando é Johnny Depp, é o máximo quando é Jack Sparrow. É tudo o que eu gosto: marginaleco, bad boy, cool, desleixado, tatuado, uma delícia. Está acima de todas as listas, top de todos os tops. Me ganhou em "What's Eating Gilbert Grape" e de lá pra cá, só não casou comigo porque prefere perfume francês. Droga! É um prazer e um deleite...com mãos de tesoura, esquizofrênico, traficante, pirata, excêntrico, de qualquer jeito, e sempre. (oops! Defendi)

ABSOLUT NUMBER TWO: Brad Pitt
Desculpa gente...parece uma listinha comum, toda unanimidade é burra, mas nesse caso não vou nem me fazer de inteligente. Não, ele não é só uma carinha bonita. Já provou que é bom, que é poderoso, que tem talento, que é o máximo. Foi ficando mais velho e não escondeu as rugas. Não escondeu nada! E quanto mais mostra, melhor fica. Adoro! Não há o que questionar. Quem viu Kalifornia, 12 monkeys, Babel, Clube da Luta, sabe do que eu estou falando. Além de lindo, ele é lindo. Transpira talento. E é do bem. Adoro.

NUMBER THREE: Patrick Dempsey
A.K.A. McDreammy, ele fez alguns filmes menos conhecidos, entrou em Grey's Anatomy como quem não quer nada, e ganhou todas as mulheres do mundo. Eu, como sou a rainha do filmeco à tarde, já vinha tentando saber há muito tempo quem era o bonitinho, com cara de atrapalhado, que andava roubando a cena em todos os filmes bobinhos da HBO. McDreammy is his name. Tudo o que o George Clooney quis ser, mas vai ter que nascer de novo pra conseguir. Cara de homem. Sexy até quando dorme.

NUMBER FOUR: Jude Law
Dispensa apresentações. Parece um anjo, but still... é a tentação em pessoa. Talentoso, tem o sotaque mais delicioso, nunca é demais, nunca é de menos, nunca passa do tom. Perfeito. Eu vi a criança na Pacific Coast Highway, parado no sinal, num porsche prata com teto solar, com a cabeça encostada no banco, buscando um raio de sol...não dá pra descrever. Impossível. Parecia estar em outra dimensão...Incrível!

NUMBER FIVE: John Cusack
Ele nem é bonito. Mas não precisa. Ele nem é tão interessante. Mas não precisa. Ele é John Cusack, e isto já está bem bom. Ele tem uma coisa. E acredite: a maioria não tem.
(eu colocaria o Kevin Spacey e o John Malkovich aqui, junto com ele, na categoria A COISA)


NUMBER SIX: Jim Morrison
Que deus o tenha. Mas eu acho difícil.
Ninguém foi tão sexy e tão bonito. Agora sim, uma beleza perfeita. Louco demais pra mim, ainda assim, tinha aquele tonzinho marginal do Johnny Depp que eu adoro. Eu olhava pras fotos dele quando era pequena tentando imaginar se ele existia mesmo. Nem ele descobriu.


NUMBER SEVEN: Hugh Jackman
Wolverine. Pra que mais? Sem a costeleta ele é demais. Com costeletas tem o uniforme e o corpão. U-huu! Bad boy, me chocou no primeiro X-Man. Virei fanzoca.

NUMBER EIGHT: David Beckham
Shut up, please! Ele não é pago para abrir a boca. E de boca fechada é a coisa mais linda do mundo. Metro-sexual ou não, por mim ele podia ser até gay. Fica lindo jogando bola. Fica lindo andando na praia. Fica lindo no mercado com os filhos. Até de lingerie de lamé prateada e calça branca ele fica lindo. Sem comentários. Não é pra casar. É pra olhar.

NUMBER NINE: Ashton Kutcher
Eu não imaginava que a geração dos novinhos poderia produzir alguma coisa assim. Ele é inteligente, engraçado, bom ator, alto, forte, bonito, família, tudo de bom. Adoro.

NUMBER TEN: Jack Bauer
Não...não é o Kiefer Southerland. É o Jack Bauer. Ele é totalmente bad boy, malvadão, politicamente incorreto, dono de uma voz deliciosa que consegue falar os maiores absurdos sussurrando. Eu nem me importava de ser torturada umas três semanas por ele, desde que ele não parasse de falar. Ele não vai ao banheiro, não come, não toma banho, mata sem piedade, tortura até a mãe se ela for suspeita...mas quem se importa? He is federal agent Jack Bauer...Amo!


Fazendo uma análise CAROLÍSTICA do meu gosto, tentei saber o que eles têm em comum.
1. Fora o Kiefer Bauer, todos têm um nariz respeitável. Grande, normal ou pequeno, todos têm um nariz que está lá. Deu pra entender?
2. Não dá pra negar a presença quase constante de tatuagens. E juro que não é de propósito!
3. É uma lista interminável de ex-atormentados...alguém me interna!

(Cabem mais alguns nomes aqui, como Jared Leto, Antony Kieds, Noah Gallegher,
Ethan Hawke, Heath Ledger, Viggo Mortensen, Noah Wyle, Jason Lewis, Rodrigo Santoro, Sean Pen - que era feio e melhora com o tempo, Clive Owen apesar dos dentes que eu não gosto...
E os velhinhos super-sexies-nem-tão-bonitos: Steve Tyler, Keith Richards (ok...eu sou doente), Robert Redford, Klint Eastwood, etc, etc )

Quarta-feira, Abril 25, 2007

O inferno está mais seguro


Heaven and Hell II
Carmen Lomas Garza
Ora, ora, ora...
Desde que tive consciência de quem eram os membros da minha família eu sei direitinho para onde vai cada alma deste mundo de meu deus.
Minha avó paterna e minha tia/madrinha se encarregaram de me deixar muito assustada com relação aos pecados do mundo, inclusive aquele que a gente já nasce tendo...céus, como pode Deus ser tão injusto? A criancinha acabou de chegar, mal reconhece o cheiro da mãe, é literalmente um peixe fora d'água e já carrega uma culpa gigantesca: milhões de anos antes dela pensar em nascer, alguém comeu a fruta de uma árvore, foi punido, e mesmo assim...veja só...a culpa é da criancinha!
O famigerado pecado original, que jamais entrou na minha cabeça, era subtamente somado a outros sete pecados monstruosos que - nossa! - eram muito difíceis de entender.
Primeiro: gula. Gula? Uma criança só sabe comer, fazer cocô e dormir! Alguém coloca um pudim de leite, um brigadeiro, um bolo de chocolate na frente dela, e se ela gostar e quiser mais, mesmo sem fome, ela está PECANDO? Onde está a justiça divina?
Mas pelo menos a gula é concebível. Uma criança, mesmo pequena entende por que isso é pecado. Logo depois de matar uma panela de glacê de chocolate, o castigo chega: uma tremenda dor de barriga. Ok ok...então esta regra vem para proteger as criancinhas inocentes da dor de barriga. Entendi...
Mas e a luxúria? A avareza? A soberba? Você conhece alguma criança de três anos, ou mesmo de dez, que entenda o significado dessas palavrinhas? Para que servem? É de comer?

Mas tudo isso para dizer que aparentemente Deus resolveu olhar para as crianças e os pagãos sem culpa - aqueles que não foram batizados, não têm mãe, nasceram mortos, ou no mato, ou de uma mãe de treze anos que não faz idéia do que precisa fazer para salvar seu filhinho. Até a semana passada, estes incautos íam para o Limbo. (eu sempre morri de medo do Limbo). Aparentemente o tédio era a tortura do Limbo.
Tem o inferno - aquela coisa caliente, cheia de gente vestida de couro, dominatrix's e sadomazôs, todo mundo fazendo muito sexo, levando chicotada, num calor do cão (literalmente). Torturas, bebida, calorão, sofrimento para alguns...puro prazer para outros. Quase um prêmio para os sádicos e criminosos.
Tem o purgatório - lugar intermediário, onde todo mundo fica perturbado, sem entender nada, uma deprê, uma tristeza...meio que um hospício de almas, onde elas entram não para serem curadas, mas para enlouquecer de uma vez. Talvez seja o aquecimento para o festerê do inferno...não sei.
Tem o paraíso - Todo mundo sabe que lá todo mundo se veste de branco, fala baixo, a música é chata. Há os que dizem que não. Para os homens muçulmanos, não sei quantas virgens vão estar esperando por eles, e muito mel e muita bebida...isso me parece uma versão do inferno, mas tudo bem...vamos admitir que no paraíso dá pra fazer toda essa suruba. Na versão femina do paraíso talvez tenha não sei quantos mil Johnny Depps me esperando. Ai ai ai, Jesus me leva!... Mas to achando que toda essa moleza eu só vou encontrar no inferno.
Anyway...falta o Limbo. Gente...o LIMBO era mesmo um lugar do demo.
Pensa: criancinhas, pagãos, analfabetos, índios, pessoas de religiões diversas que não a católica, iam para lá e não eram nem punidas nem premiadas. É meio uma repartição pública onde você chega para esperar. Só esperar, mas não sabe o que. Você está lá porque é culpado de uma coisa que não sabe que fez, e ninguém te salvou. Precisava que alguém jogasse água na sua cabeça e óleo no seu peito para que você fosse salvo. Mais ou menos! Porque no momento que fizessem isso, você passaria a ser oficialmente culpado pelo pecado original. Você só não foi salvo, porque ninguém foi lá oficializar a sua culpa. Ai jesus...é complicado!
Mas agora tudo mudou. Papai do Céu mandou um telegrama pro Vaticano mandando demolir este andar do Condomínio da Salvação. Não tem mais limbo. Eeee! Os inocentes podem ir direto pro céu, sem necessidade de alvará. Morreu? Foi! Fim. Desburocratizaram a vida eterna.

Daí que eu acho que talvez o inferno esteja mais seguro.
Nessa época interessante em que vivemos, de globalização, banalização do sexo (e até do condomínio divino) e células-tronco, pode ser que daqui a pouco algum empreendedor do Paraíso - todos sabemos que há lá pelo menos seis milhões de judeus - resolva encampar o inferno. O inferno pode passar a fazer parte da Holding, vai ser reformado, renovado, cai o presidente, os cargos de confiança serão nomeados pelo C.E.O. da Heaven & Eden Inc, e pronto: o Condomínio da Salvação será o maior resort do universo!

Acho justo. Acho válido.
Deus está ficando moderno...

Segunda-feira, Abril 16, 2007

Overdose de carinho

Este fim de semana fui pra Curitiba comemorar o aniversário da minha mãe.
Setenta e sete anos vivendo perto de nós, fazendo barulho de manhã, preparando refeições, se dedicando fervorosamente ao meu pai. (ok...não todos os 77)
Cheguei na sexta-feira e a Bia, minha irmã mais velha, já havia chegado. E minhas tias. E a Pat que ia embora não foi. Não vou contar passo a passo, porque sou preguiçosa, mas quero dizer que foi maravilhoso.
Rimos juntos como adoramos fazer quando estamos juntos. Lembramos histórias deliciosas. Tivemos momentos inesquecíveis e engraçadíssimos...Ficamos bastante tempo juntos, os quatro irmãos, e pudemos falar do passado e do presente, e fazer o que a gente também costuma fazer quando está junto: chorar.
E teve um momento especial, conversando na casa da Pat: Eu, Pat, Bia, Tia Tetê e Tia Myriam...que foi mais do que bonito...e foi triste, mas foi feliz demais ao mesmo tempo. Triste porque falávamos de um futuro não muito distante que nos tirará, por certo, um pedaço do coração. Feliz...feliz por ver pessoas unidas na mesma vontade, na mesma adimiração. Todas querendo que a vida vença tudo, com todas as forças...todas sabendo exatamente por que precisamos umas das outras. E choramos. De novo...todas juntas.
Nem sempre é de medo ou tristeza que a gente chora. A gente chora de feliz, de lembrança boa, de vida rica, de união e amor.
Na noite de sexta-feira, ficamos até quase duas horas da manhã relembrando histórias com uma amiga que conhecemos desde a barriga de nossas mães. E ela nos fez rir muito com nossas histórias de infância que ela lembra tão bem quanto todos nós. A minha irmã Pat dizia: Mas em que planeta eu estava que não lembro nada disso? A Pat era uma cientista. Ela experimentava substâncias não comestíveis como mariposas, salitre, xarope... Talvez por isso ela lembre pouca coisa. Devia estar sempre chapada, provando alguma bolinha bonitinha que encontrou no armário da garagem. Hahhahha! Adoro!
E a Cláudia contou que o pai dela não deixava ela e o irmão mascarem chicletes. Então, quando eles conseguiam ganhar - assim...uma vez por mês - um chiclete, mastigavam até a mãe mandar jogar fora. Nesta hora, iam para a entrada do prédio, onde tinha uma parede de pedrinhas brancas, desencaixavam uma pedra e guardavam o chiclete ali. Recolocavam a pedrinha e pronto. Quando desciam novamente pra brincar, abriam os esconderijos de chicletes, e voltavam a mastigar, agora com um pouquinho de areia.
E lembramos das roupas das bonecas, e das empregadas, e das brincadeiras, e das surras que dávamos uns nos outros, e dos aniversários, casamentos das vizinhas, etc, etc, etc...
Contamos nossas ambioções de infância - o que queríamos ser quando crescêssemos : Eu queria ser Miss Brasil e Chacrete. A Pat, Miss Brasil e cantora. A Cláudia, motorista de ônibus (se não desse, trocadora estava bom) e depois manicure que vai em casa, com uma bolsa cheia de esmaltes coloridos. E a Bia nos surpreendeu, contando que queria ser "banqueira" - DONA DE BANCO DE PRAÇA! Rimos demais com tudo isso.

Os dias que se seguiram foram igualmente lindos...um banho de carinho...e mais um casal de tios chegando. Tio Marcílio e Tia Cecília. Sempre cheios de vida, sempre rindo muito, sempre uma delícia.
Voltei para casa ontem à noite, com o coração cheio de carinho. Uma overdose. Um banho de sentimentos bons. Baterias carregadas por mais algum tempo.
E mais uma vez...eu só tenho a agradecer pela família que eu tenho.

Bom dia.

Quinta-feira, Abril 12, 2007

E o mundo perdeu as palavras

Eu fechei as páginas de "Matadouro 5", morrendo de inveja, de encantamento, maravilhada com a maneira solta, divertida, sem ordem cronológica de Kurt Vonnegut. E saí para comprar outro e outro e outro, e nunca mais me cansei de devorar suas páginas. Cada vez que resolvia reler, escutava lá no fundo, entre as entrelinhas, de dentro das fibras da página, alguém me dizendo algo que eu devia ouvir.
E eu prestei atenção...mas tive medo de obedecer.
O tempo passou, e Kurt me olhava da prateleira...eu tive filhos com ele me olhando, eu virei gente com ele me olhando...até que um dia resolvi sentar e começar a escrever.

Foi o que aconteceu. Kurt Vonnegut foi a primeira voz que me disse: Vai lá...você pode escrever. Devo a ele todas as minhas letras, todas as minhas palavras, todo o meu ímpeto de falar, falar, falar, sem medo...e por escrito.

Se alguém perguntar se ele foi pro céu...eu respondo que não. Com certeza, o velho Kurt - essa criança de 84 anos que provocou em mim tantos sorrisos vindos da alma - apenas voltou para o seu planeta...Tralfamadore.

O mundo perdeu mais palavras. E eu perdi um ídolo.

Quarta-feira, Abril 11, 2007

Deixa de ser preguiçoso

E vai ler o resto no Writer's Club.

Bom dia!

Daren e Mariana X

(Falta de tempo pra postar...vou dar uma molezinha...)

Por Mercedes Gameiro - Desafio Caixa Preta

S
ão duas horas da manhã e Mariana ainda está sentada no corredor do hospital, esperando que Daren esteja fora de perigo. As horas demoram para passar e não deixam que as lágrimas finalmente sequem. Uma senhora caminha de ponta a ponta do corredor, repetidamente, sempre olhando para Mariana esboçando um semi-sorriso de solidariedade. A mulher vai e vem, e vai e vem, até que senta-se com dois copos de café na mão.

Mulher:
Que tal um café ruim pra acordar?

Mariana devolve o semi-inexistente-meio-sorriso e aceita.

Mulher:
Deve estar péssimo, mas pelo menos está quente. (abre uma lata que tira da bolsa) Biscoitos?

Mariana recusa. O silêncio mórbido das noites em hospitais pesa nos olhos das duas por alguns eternos instantes.

Mulher:
o que houve com o seu marido?

Mariana aperta os olhos pensando em explicar sua relação com Daren, mas desiste e responde…

Mariana:
acidente de carro. Na porta de casa…terrível.

Mulher:
machucou muito?

Mariana:
Traumatismo craniano. Está em coma induzido. Sei lá até quando…

Mulher:
E as crianças? (pausa) Vocês têm filhos, não têm?

Um furacão adentra os ouvidos de Mariana, chegando até seu cérebro e causando total devastação. Ela pensa:
(…será que eu vou ter filhos? Será que era pra ser ele? Por que eu encontrei essa criatura? Eu não sou nada dele, e estou aqui sentada na porta da UTI esperando notícias… e talvez o único homem que me interessou na vida esteja prestes a morrer por que olhou para mim enquanto dirigia… e talvez a culpa seja minha, por ter jogado duro, por ter sido grossa, e burra, e uma anta. E talvez ele acorde sem lembrar quem eu sou… e talvez eu chore muito se essa mulher continuar fazendo essas perguntas.)

Mariana:
Não…

Mulher:
Ah. Pena…

Mariana:
E você? Por que está aqui?

Mulher:
Sei lá…eu faço isso.

Mariana:
Isso o que?

Mulher:
Eu vou em hospitais conversar.

Mariana se afasta um pouco, julgando estar falando com uma doida.

Mariana:
Como assim?

Mulher:
Eu perdi minha familia inteira de uma vez.

(silêncio)

Mulher:
Foi um acidente terrível e eu passei muito tempo dentro de hospitais, indo de quarto em quarto, meu marido, minha filha, meus filhos…tentando dar conforto para todos eles…E nunca me senti tão sozinha.

Mariana fica sem palavras.

Mulher:
O problema nem era de dia. De dia chega visita, parente, amigo, todos dizendo a mesma coisa: “se precisar de alguma coisa…” Mas o que eu precisava ninguém podia me dar, que eram eles todos dentro da minha casa, com esperança de futuro, barulho, briga, tv ligada, conversa, música!… E à noite ninguém aparece. A noite é enorme, interminável, pesada. Aí que eu sofria, que eu me lamentava, que eu chorava...

Mariana:
Que triste…

Mulher:
É. E quando tudo acabou, e as noites lá na minha casa passaram a ser vazias e tristes, eu resolvi que devia confortar as pessoas que estavam passando o que eu passei. Então, todas as noites eu saio de casa, com café e biscoitos, e faço visitas em vários hospitais.

Mariana:
Que coragem.

Mulher:
Não...É o meu jeito de dividir a dor.

Mariana fica olhando para aquela mulher, com pena dela, com pena se Daren, com pena de si mesma, tenta segurar o choro mas não consegue. A mulher acomoda a cabeça de Mariana em seu colo
Mulher:
Isso…É disso que você precisa…Pode chorar.

Amanhece e Mariana está dormindo nos bancos do corredor do hospital, sozinha. Ela acorda assustada e vê que o movimento está voltando ao normal. Serventes com carrinhos servem o café da manhã nos apartamentos, médicos transitam, enfermeiras correr para lá e para cá. Ela esfrega os olhos, pega dentro da bolsa os óculos escuros e vai até a enfermaria pedir notícias.

Mariana:
Oi, você sabe a previsão e saída do Deren Ross da UTI?

Enfermeira:
O rapaz grandão, do acidente?

Mariana:
É.

Enfermeira:
Ele foi pro apartamento.

Mariana:
Nossa! Quando foi isso?

Enfermeira:
Ha umas 3 horas.

Mariana:
(empolgada, saltitando)
Ai que bom! Que ótimo! Qual apartamento?

Enfermeira:
302.

Mariana:
Obrigada.

E sai correndo pelos corredores.

APARTAMENTO 302 :
Mariana abre a porta devagar. Uma enfermeira está arrumando o soro e tirando a pressão de Daren, que está monitorado.
Mariana:
(sussurrando)
Oi.
A enfermeira sorri.
Mariana:
(sussurrando)
Ele acordou?

Enfermeira:
Não…enquanto não desinchar o doutor vai manter o coma.

Mariana:
(decepcionada)
Ah…droga. Mas pelo menos não está mais na UTI.

Enfermeira:
Melhor né? Agora ele pode ficar aqui, pertinho de você.

Mariana sorri novamente sentindo o turbilhão que martela sua cabeça: “pronto…mais uma me casando.”
Quando a enfermeira sai do quarto, Mariana se aproxima da cama. Ela fica observando cada detalhe do rosto de Daren. Ele tem alguns cortes, curativos, mas seu nariz e boca perfeitos continuam perfeitos. Ela passa a mão em seu rosto, pescoço, ombro, braço…segura a mão de Daren e leva até seu próprio rosto.

Mariana:
Fica bom Daren…por favor…a gente começou mal. Mas foi só o começo…Você tem que sair dessa pra gente se acertar.

O tempo passa ao rítmo do equipamento de monitoração cardíaca. O bip ritmado do coração de Daren vai, aos poucos, levando Mariana para um sono profundo. Ela se acomoda na poltrona que puxou para junto da cama. Sua mão na mão de Daren, sua cabeça apoiada na beira da cama. Nada acontece. Silêncio dentro e fora dos pensamentos de Mariana.
Mariana acorda num pulo ao ter seu sono interrompido por uma voz que parecia vir do além.

Voz feminina:
Olá?

Mariana:
O que?

Ela leva algum tempo para se situar. Confere o lugar para ter certeza de onde está. Vê o quarto do hospital, os equipamentos de monitoração, Daren. Arruma os cabelos com as mãos…

Mariana:
Nossa…dormi.

Continua olhando em volta e vê finalmente a dona da voz. Um mulher de trinta e poucos anos, cabelos vermelhos bem tratados, calça preta, camisa branca, botas. À primeira vista, uma executiva mega bem sucedida, parada no meio do quarto, segurando a bolsa e fitando Mariana nos olhos.

Mariana:
Oi.

Mulher:
Oi.

A estranheza da situação é mais do que contrangedora.

Mulher:
Você é…?

Mariana:
Não não…não sou não… só uma amiga…ele bateu o carro na frente da minha casa, e…

Mulher:
Muito prazer. Laura.

Mariana fala indo até o banheiro
Mariana:
Prazer Laura. Desculpa o meu estado. Passei a noite aqui, nem voltei pra casa..devo estar um lixo…

abre a porta e se olha no espelho.

Mariana:
Nossa…que horror…

Laura:
Imagina…mas agora que eu cheguei você já pode ir.

Este comentário congela Mariana em frente ao espelho. Por um segundo ela se sente como uma leoa vendo outra fêmea se aproximar de suas crias.

Mariana:
Como?

Laura:
Pode ir. Você não precisa se incomodar com isso. Eu já cheguei. Quando ele tiver alta, ele dá notícias aos amigos.

Mariana:
Você deve estar brincando…

Laura:
Não.

Mariana:
Ele bateu o carro na frente da minha casa. Quem veio de ambulância com ele fui eu. Quem recebeu a notícia de que ele estava em coma, fui eu. Quem passou a noite esperando ele sair da UTI fui eu. E eu VOU sim estar aqui quando ele acordar.

Laura:
Eu agradeço demais por você ter feito tudo isso, e entendo que você se sinta culpada ou queira ficar, mas não precisa...errr…como é mesmo o seu nome?

Mariana:
Mariana.

Laura:
Mariana…você pode vir visitar, é claro, mas o hospital só permite um acompanhante e o meu lugar é aqui.
Mariana:
Desculpa…eu to cansada, eu esqueci o seu nome …

Laura:
Laura. (pausa) Ross.

Mariana:
Então Laura…eu vou pra casa, mas eu volto. Vou ficar aqui todo o tempo que eu puder. Eu não vou deixar o Daren de jeito nen….Ross? Laura…Ross?

Mariana engole em seco.
Mariana:
Você é…?

Laura:
(tranquila e acertivamente)
Mulher do Daren.

Mariana:
Claro… imagina.. que louca eu… Laura, a mulher do Daren. Lógico!… Desculpa.

Mariana começa a juntar suas coisas. Chaves, bolsa, celular, casaco…

Mariana:
Desculpa… Eu to cansada demais… não estou mais raciocinando, nem lembrando as coisas direito…esqueci…bom…
O embaraço de Mariana transborda no excesso de gesticulação, como uma bailarina atrapalhado, sem saber se pega a bolsa, se larga a bolsa, se se aproxima ou se afasta…

Laura:
Tudo bem?

Mariana:
Não… quer dizer… tudo. Claro! Só o susto que foi grande demais… do acidente…é. Do acidente.
Eu tava olhando…ele lá em baixo... nossa horrivel! (pequena pausa) Preciso descansar mesmo, comer, dormir…né?
Laura:
Você veio de ambulância…quer que eu mande meu motorista te levar?

Ela vai andando de costas para a porta, vendo Daren ali na cama, e Laura – toda perfeita – de pé, parada o lado dele, olhando para ela…

Mariana:
Não!…nossa…não. Deixa. Eu pego um taxi, um ônibus, eu… já vou.

Mariana passa pela porta, atrapalhada, desnorteada.

Laura:
Mariana?

Mariana volta.

Mariana:
Hein.

Laura:
Obrigada por tudo.

Mariana:
(segurando as lágrimas)
Imagina…nem foi nada. Tchau.

Ela deixa o hospital no passo mais apressado que é capaz de aguentar sem correr, cabeça baixa, bolsa e casaco embolados nas mãos, abre a porta de vidro do hospital sem olhar para trás, continua caminhando no mesmo rítimo frenético de quem quer que o mundo exploda atrás de si, sem ser atingida pelos estilhaços. Atravessa a rua correndo, anda quase dois quarteirões, pára num sinal vermelho, aperta insistentemente o botão de pedestre socando o botão de tanto ódio, e termina por se descontrolar numa cena melo-patética: Mariana deixa a bolsa e o casaco cairem na calçada, encosta no poste, deixa seu corpo descer até o chão…e chora.

Continua…

Terça-feira, Abril 10, 2007

DAREN E MARIANA SE MUDARAM

Para que o Caixa Preta continue sendo o velho Caixa Preta, Daren e Mariana arrumaram um lugar melhor para morar.

Na verdade fundamos um clube: Mg Writers Club, que mora em outro blog. Lá, não só Daren e Mariana, mas diversas futuras histórias serão escritas a muitas mãos.
Um clube semi-aberto, onde a gente enche a cara de letrinhas e se diverte como nerd: deixando uma bomba para o próximo resolver.

Writer's Club é: Mercedes Gameiro, Felipe Iubel, Alice Salles, Carol Garofani, Marcos Freitas, Fernando Gravata e Flávia Melissa.

Se você quiser fazer parte desta coisa insana, é só gritar.

Um beijo amigo no seu umbigo.

Daren e Mariana - Parte IX


Por Marcos Freitas - Desafio Caixa Preta

Nota:
talvez com uma pequena quebradinha tarantinística na linha do tempo. Mas vou tentar resolver de uma forma mais linear (Mariana não podia ter olhado pro telefone antes da hora certa! Humpf)

Situação geral: Casa da Dina: Daren, ainda na varanda, fica completamente introspectivo e, sem nem olhar pra Gostosa, vira a taça de vinho, dá meia volta e começa a caminhar de volta pra sala; a Gostosa o acompanha um pouco atrás e sem entender nada; Daren e a Gostosa entram em silêncio e se sentam de volta em seus lugares; Ademir ao ver a reação de Pedro com a volta da Gostosa franze a testa tentando entender o que parece que só ele está percebendo; Daren olha pra Dina com olhar indagador, perguntando sem dizer uma só palavra: “porque você fez isso?”; Gostosa após uma clássica cruzada de pernas dá uma circulada com os olhos já percebendo a misteriosa e total falta de interesse de Daren por suas coxas e, numa cruzada de olhares repara um curioso interesse nos olhos de Pedro; Dina sorri; Marcos pensa que seus “negócios” podem ir por água abaixo a qualquer momento se ele continuar a escrever essa merda mas, não resiste e segue adiante; Mariana já está em casa e está furiosa; Edson e Hudson se conectam suficientemente para que a assistente de Mariana acerte todos os dígitos de seu telefone; o telefone de Mariana toca insistentemente...

Ademir

(já à beira de um ataque de nervos) pensa mais uma vez:

Quer fazer o favor de parar de olhar pra guria?

Mariana

(Em casa. Puta da vida, tentando ignorar o telefone e fingindo pra si mesma que tem coisas muito mais importantes pra pensar!) ...e pensa:

Não adianta Edge, seu escroto, eu não vou atender mesmo!

Daren

(Olhando pro telefone e pra situação ridícula em que se encontra, levanta-se subitamente e sai pra qualquer lugar da casa como quem vai atender ao telefone que vibrou e, assim que sai da vista das pessoas, já está ligando para Mariana, ...muito desconfortável e angustiado com a situação) e pensa:

Vai Max, por favor atende, atende logo...

Dina

(Com seu sarcástico sorriso nos lábios, quase que comemorando o desconforto da situação e a saída de Mariana, leva bem calmamente a taça à boca dá lentamente mais um gole no vinho e pensa sobre como conseguiu com sua astúcia ter o controle total da situação)

Ademir

(Fecha os olhos e passa a mão na fronte agora suada enquanto percebe algo totalmente inesperado na estranhíssima troca de olhares entre Pedro e a Gostosa) e não diz nada:

...

Autores e Público

(pensam):

Alguém precisa quebrar esse silêncio, porra!!!!!!!!

Gostosa

(Dirigindo-se a Pedro, ouvindo os apelos do público e, finalmente quebrando o silêncio)

Como é mesmo o seu nome?

Pedro

(Fazendo um estereótipo de macho de voz grossa ...mas suave)

Pedro, ...e o seu?

Ademir

(pensando: “ai minha santa do arco íris roxo!”) quase gritando:

Ah não! Não vem não sua vagabunda! Você não é nenhuma santa da conversão das bibas deslumbradas! ...Nem pense que essas suas coxas e esses peitões de silicone duro têm esse poder de mudar as convicções das pessoas

(e se dirigindo a Pedro) ...ou tem?

Pedro

(falando baixo e tentando ser discreto)

Ademir, você ficou louco é? Quer causar é? Você nem foi convidado e olha o escândalo que você tá fazendo à toa! Para com isso sua bicha louca!

Ademir

(ainda muito exaltado)

Você acha que eu não to vendo vocês dois não é? Pois eu to vendo sim, e to vendo tudo muito bem viu senhor Pedro macho do caralho grosso!

Gostosa

(ignorando o escândalo e falando calmamente em voz baixa)

Vivianne, com dois enes...mas pode me chamar de Vi

Dina

(Quase engasgando com o vinho e não acreditando em como, de uma hora para a outra a situação parece ter escapado completamente ao seu controle)

Aham... Vivi querida, você não quer dar uma olhada lá dentro pra ver o que está acontecendo com o Daren que não volta...?

Daren

(num canto qualquer da cozinha depois de por três vezes deixar chamar insistentemente o telefone de Mariana, começa e escrever uma mensagem de texto):

Max, eu to indo praí agora mesmo!

Vivianne (a Gostosa)

(ignorando as palavras de Dina e o escândalo da bicha, continua normalmente a conversa com Pedro)

Mmmm, ...e o que é que você faz da vida Pedrão?

Pedro

(completamente fora de seu comportamento “normal” e falando quase simultaneamente com a Gostosa)

Nossa, Vi... como você é bonita... por acaso você é modelo?

Ademir

(perdendo completamente as estribeiras, sem pensar nem um pouco nas conseqüências de seu ato, lança o conteúdo de sua taça na cara da Gostosa) e grita:

VÃO PRA PUTA QUEOS PARIU SEUS DESGRAÇADOS!!!
QUE QUIÉ QUE CÊS TÃO PENSANDO????
QUE AQUI É A IGREJINHA DA DIVINA CONVERSÃO É?

Pug

(pulando do colo de Dina ...pro sofá pois, ele não gosta muito do chão!)

AUAUAU GRRR AU arf arf AUAU AU GRRRR arf arf AU AUUA UAUA UA

Vivianne

(limpando o rosto e borrando a maquiagem com uma almofada)

SUA BICHA DESQUALIFICADA!!!! OLHA O QUE VOCÊ FEZ!!!!
SEU FILHO DA PUTA!!!!
AAAAAAAAAAAARRRRRRRRRRRRGHHHHHH!!!!!

Dina

(pegando o telefone pra chamar os seguranças e tentando acalmar o pug)

Calma, fofinho da mamãe, não é nada, não é nada! Vem, vem, vem...

Vivianne

(dando uma almofadada na cara de Ademir)

SEU ESCROTOOOOO!!!!

(...)

(nesse meio tempo, Daren aproveitou a gritaria para uma clássica saída à francesa e já está a caminho da casa de Mariana pensando em como convencê-la de que ele não é, ao menos com ela, aquilo que ela pensa que ele é, essas loucuras que passam pela cabeça de um cafajeste subitamente arrependido de seu passado)

Daren

(teclando insistentemente o redial e ouvindo pela décima quinta vez...)

“...o número chamado encontra-se desligado ou fora da área de cober...”

Mariana

(levantando-se, saindo da frente da tv e acabando de comer compulsivamente o último lindt da caixa, ...e decidindo religar o celular após ouvir a secretária eletrônica gravar o último recado de Daren que está um tanto descontrolado):

“Max, porque você não atende? Você não viu a mensagem no seu celular? Atende o telefone porra, eu to te ligando!!! Por favor!!! Eu preciso te falar uma coisa, se você estiver ouvindo esse recado, atende o celular Max! Sou eu que to te ligando, por favor, eu preciso falar!!! ...olha eu já tô quase chegando aí...”

Mariana

(pensando alto):

Ai meu deus, ...o que eu faço agora?

(o telefone toca denovomaisumavezagain... Mariana resolve atender)

Mariana

(com voz de desabafo, quase num suspiro):

Edge...

Assitente

(com vigoroso auxílio de Edson e Hudson)

Finalmente né dona Mariana!!!???? Esqueceu do seu trabalho é? ...Olha só, a dona Merecedes tá louca querendo saber do orçamento pra decoração do Writers Club!

Mariana

AAAAAAAAAAAARRRRRRRGHHHHHHHHHH!!!

FAZ ALGUMA COISA POR CONTA PRÓPRIA NESSA VIDA CRIATURA!!!! FALA PRA ESSA DONA QUE EU... SEI LÁ! ...RESOLVE AÍ, PORRAAA!!!!

Assistente

(em uma pausa semi-eterna)

...

Mariana

(baixando o tom da voz)

...desculpe! é que eu to um pouco nervosa, sabe? Ai, sei lá, fala pra ela me ligar mais tarde por favor, ...inventa alguma desculpa, mas bem delicada que depois eu resolvo isso, tá bom? Desculpa, agora não posso resolver isso, ...mais tarde eu vou praí e resolvo, tá bom? ...obrigada!

Daren

(dirigindo rápido, ligando mais uma vez e falando sozinho no carro):

Atende Max, ...atende...

Mariana

(pegando o celular e, agora sim, vê no identificador de chamadas que é o Edge)

Edge...

Daren

(desabafando)

Porra! ...finalmente você atende, né? (e aproximando o rosto do vidro para olhar para cima) ...Max, eu preciso falar com você agora, eu já to na sua rua, pode olhar pela jan...

(nesse instante Daren bate violentamente o carro num caminhão de lixo que vinha na direção contrária, Mariana ouve o barulho na rua ... e pelo celular)

(...)

(hospital... Mariana com cara de “a viúva” recebendo o novo boletim dos médicos enquanto as pessoas (os amigos) começam a chegar)

Médico

(olhando mais para uma prancheta em sua mão, do que para Mariana)

Olha, srta। Mariana, a situação é estável, ele está respondendo bem ao tratamento e aos medicamentos mas... ele continua em coma induzido... sabe? É para a segurança dele próprio, a batida na cabeça foi muito, muito forte...você entende não é?

...CONTINUA

Daren e Mariana VIII


Por Flávia Melissa

Estão todos sentados na sala de Dina, riso amarelo e silêncio desconfortável. Mariana se incomoda com a presença de Desespero Praiano, tenta olhar para outra direção, mas não consegue desviar os olhos da gostosa sentada ao lado de Daren.

Mariana divide um sofá com Dina, que se levantou e foi até o bar buscar bebidas. Pedro e Ademir estão sentados em outro sofá.

Ademir
Quer fazer o favor de parar de olhar prá guria?

Pedro
Tá louca, filha? Aquela fruta eu jogo fora com caroço e tudo, não tiro nem a casca!

Ademir
Pode confessar! Confessa que em uma dessas festas da Dina você conheceu uma mulher deslumbrante com meio quilo de silicone em cada peito e descobriu que é sapata!

Pedro
Ô, minha Nossa Senhora dos caralhos cravejados de swarovski, que foi que eu fiz? Abadá de micareta com o Santo Sudário?!

No outro sofá Daren está sentado desconfortável, tentando se esquivar enquanto a gostosa se insinua, cruzando a descruzando as longas pernas e mexendo no cabelo obsessivamente.

Gostosa
Daren, porque é que você nunca mais me ligou depois do nosso finalzinho de semana juntos? Senti saudades...

Daren
Estive ocupado... Você sabe...

Gostosa
E deu tudo certo com o Gustavo? Você pareceu tão preocupado depois que ele te ligou pedindo ajuda...

Daren
Hã? Ah... Deu tudo certo sim.

Daren olha para Mariana, que o fita com olhar embasbacado. Em uma fração de segundos que pareceram uma eternidade, seus olhos se cruzam. Mariana baixa os olhos.

Dina
Bom, peguem seus copinhos e façamos um brinde à amizade. Ui, que loucura, tanta gente bonita espalhada pelos meus sofás, em uma plena tarde de semana!

Pedro
Ui… acho que não devo bebericar nadinha até a próxima semana... Dizem que o fígado demora pelo menos cinco dias prá voltar ao funcionamento normal depois de um porre bem amarrado!

Ademir
Você só bebe quando eu não tô por perto, é?

Pedro
Não meu anjo, eu gosto de encher a minha fuça em ocasiões festivas, mas isso aqui tá parecendo um velório! E eu tô com o morto ressucitado bem na minha frente, valha-me meu pai!

Mariana aproveita a situação e se levanta, pegando o celular dentro da bolsa e fingindo que atende a uma ligação.

Mariana
Alô? Oi querida, só um segundo – com licença, é minha assistente.

Afasta-se em direção à sacada, falando.

Mariana
Oi meu amor, pode falar.

Assim que se vê longe dos olhares alheios, bate o flip do celular, cogitando jogá-lo na piscina. Por fim encosta-se no parapeito, examinando o caminho que leva do pátio interno até o portão de saída. Será que existia alguma chance de pular da sacada sem danificar permanentemente seus saltos Prada? Daren se aproxima sem ser visto.

Daren
Eu sabia que não tinha ligação nenhuma. Você não é do tipo de mulher que trata a assistente por “amor” ou “querida”.

Mariana
Adoraria saber que tipo de mulher eu sou.

Daren
Do tipo que me faz ter vontade de...

Mariana
Olha só, Edge, não é um bom momento, ok?

Daren
Parece que nunca é um bom momento, não é? Acho que cometi um erro vindo até aqui.

Mariana
Pois é isso que estou dizendo desde que você colocou a sua cara sala a dentro.

Daren
Olha, me desculpa, Max... Eu nunca imaginei que ela fosse aparecer por aqui. Escuta, porque não damos simplesmente o fora e saímos pela porta dos fundos? Ainda dá tempo de jantarmos juntos.

Mariana
Jantar? Mas faça-me o favor! Por acaso tem um luminoso em neón piscando “trouxa” na minha testa? Eu não vou a lugar nenhum com você!

Mariana tenta andar em direção á sala mas Daren a segura pelo braço.

Daren
Max, deixa de ser turrona! Eu vim aqui atrás de você, não dela!

Mariana
Mas ela, pelo jeito, adorou a sua trepada de misericórdia. Quantas outras existem na sua listinha de “amigas” de final de semana? Será que por acaso existe um Desespero das Montanhas? Talvez um Desespero Metropolitano?

Daren
Max, tenho um passado, assim como você.

Daren puxa Mariana pelo braço com mais força e mais para perto, até que os narizes se encostam. Por alguns segundos, eles se perdem no olhar um do outro.

Daren
Vamos sair à francesa, deixa esse povo toda prá trás e vamos passar mais de meia hora juntos. Você vai descobrir que eu não sou tão ruim assim.

Mariana olha para Daren e sorri a contragosto. Quando Daren a puxa mais para perto, ela diz:

Mariana
Aqui não. Vamos nos encontrar no Marroquino em meia hora. Eu vou na frente, você se livra do Desespero Siliconado e sai em seguida.

Daren
Mal posso esperar.

Daren solta o braço de Mariana, que pega o celular dentro da bolsa, abre o flip e o encaixa no ouvido. Sorri para Daren, antes de entrar na sala.

Mariana (fingindo falar ao celular)
Claro, pode deixar comigo. Outro prá você.

Desliga o celular, olhando entristecida para Dina, que toma uma taça de champagne com um horroso Pug no colo ,

Mariana
Me desculpa, amiga, mas tenho que sair para resolver uns probleminhas no escritório.

Dina
Oh, algo sério, meu bem? Você precisa de alguma coisa?

Mariana
De uma assistente que tenha mais do que dois neurônios? Edson e Hudson estão de mal, e ela precisa de mim prá resolver umas pendências de uma festa no final da semana – Se inclina na direção de Dina, dando-lhe um beijo em cada face – Nos falamos amanhã, ok?

Dina
Espero que as minhas festas sejam as suas queridinhas, e que nenhuma bruaca botoxeada roube meu espaço conquistado a duras penas nas colunas sociais.

Mariana
Nem eum um milhão de anos, meu amor. Você é a menina dos meus olhos. Tchaus minhas flores do campo – para Ademir e Pedro.

Pedro
Tchau, loira! Arrasa!

Mariana
Tchau doçura, me liga mais tarde.

Mariana sai pela porta e seu sorriso se desfaz no exato momento em que a porta se bate. Sentindo-se mortificada, caminha pelo pátio interno, até atingir o portão de saída, que o vigia abre com um sorriso no rosto. Antes de cruzar a soleira da porta, sente estar sendo observada e olha para cima, na direção da varanda. Daren está lá, fitando-a. No exato momento em que a porta se fechava, ela viu uma cabeça loira sustentada por dois peitos imensos ocupar o lugar que ela estava, apoiada no parapeito, ao lado de Daren.

Caminha até a esquina, pega um táxi, dá o endereço e suspira. Vinte minutos depois está em casa, assistindo televisão. O telefone toca, ela vê na bina que se trata de Daren, mas deixa que o barulho do toque morra aos poucos, enquanto ela fecha os olhos e se entrega à sensação de moleza causada pelas três taças de vinho.

Segunda-feira, Abril 09, 2007

Daren e Mariana - Parte VII

Por Felipe Iubel - Desafio Caixa Preta


Dina abre a porta e encontra Ademir com cara de tédio। Ela tenta disfarçar a surpresa, mas seu jeito de perua não permite grandes encenações.
DINA
Oi, querido! Que é que você tá fazendo aqui?!
ADEMIR
Meu Deus, Dina! A hospitalidade da sua casa já foi melhor, ein!
DINA
Ai, menina! Desculpa! Deve ser a idade que finalmente está começando a se aproximar de mim com esses terríveis efeitos de falta de memória e de gentileza!
ADEMIR
Começando, é?
DINA
Também não precisa ofender, bicha rancorosa. Entra, vai.
Na sala de estar da casa, Ademir tentar enrolar um pouco para chegar ao ponto que queria na conversa, mas não consegue e vai logo perguntando.
ADEMIR
Eu não queria entrar nesse assunto com você, Dina. Mas não posso perguntar isso para a Mariana, afinal o Pedro vive grudado nela.
DINA
Pergunta, Ademir.
ADEMIR
Provavelmente é coisa da minha cabeça, mas você sabe como funcionam essas coisas.
DINA
Pergunta logo, Ademir.
ADEMIR
Então, sabe aquela festa que você não me convidou? Sabe, né? Então, o Pedro chegou muuuuito bêbado em casa e eu quero saber o que foi que ele aprontou. Porque essas duas últimas semanas foram infernais lá em casa. Ele anda distraído, diferente. Acho que ele parece até mais homem, veja que absurdo!
DINA
Humm...
A campainha toca outra vez. Dina levanta correndo e deixa Ademir sozinho com suas perguntas constrangedoras. Quando ela volta para a sala, traz Pedro e Mariana com ela.
PEDRO
Ademir?! O que você está fazendo aqui?
DINA
(resmungando baixinho)
Eu estou me perguntando a mesma coisa...
ADEMIR
Só porque você não me convida...
DINA
(resmungando baixinho)
Se nem ELE convida, por que eu convidaria?
PEDRO
Outra vez essa história?! Ai, meu São Celestino das Discussões sem Fim!
Novamente toca a campainha. Dina corre para atender e Mariana vai atrás dela. Na porta a surpresa é ainda maior.
DINA
Daren, meu querido! O que você veio fazer aqui!
DAREN
É um prazer pra mim também, Dina.
MARIANA
Edge?! Pensei que tinha marcado de noite e em outro lugar.
DAREN
É um prazer para mim também, Max.
DINA
Bom, queridos! Já que está todo mundo aqui mesmo, vamos entrar e rezar para não chegar mais ninguém.
Quando eles chegam à sala, Pedro e Ademir estão em silêncio. Cada um olhando para uma das paredes.
DINA
Olha só quem mais chegou...
DINA
(resmungando baixinho)
...sem ser convidado!
DAREN
Eu não resisto uma reunião na sua casa, Dina!
DINA
E quem é que resiste, meu querido? Bom, já que não podemos conversar sobre o que queríamos, pois todos os assuntos estão presentes em carne osso e falta de convite, vamos todos tomar alguma coisa.
Mas antes que ela pudesse se mexer, a campainha tocou pela terceira vez. Dina sorriu com o canto da boca e permaneceu sentada.
DINA
Ai, Meu Deus! Eu já estou cansada de andar até a porta. Desta vez, quem vai abrir é você Daren! Eu vou ficar sentada aqui esperando!
DINA
(resmungando baixinho)
Isso vai ficar melhor do que eu mesma esperava!
DAREN
Como eu venho dizendo desde que cheguei aqui. É sempre um prazer, Dina.
Você me acompanha, Max?
Mariana ainda parecia um pouco tonta com tudo que estava acontecendo. Era Pedro e Ademir fazendo bico em silêncio. Era Dina com uma expressão de perua diabólica. Era Daren ali, por causa dela. Apesar que ela ainda não tinha certeza dessa parte. Mesmo assim, foram os dois para a porta, rumo ao som da campainha, sem nem imaginar que Dina havia feito “a” ligação pouco antes de todo mundo invadir sua casa.
DAREN
Desculpa por ter aparecido assim. Mas eu precisava falar direito com você e não queria esperar até de noite.
MARIANA
E você acha que vamos conseguir conversar direito aqui?! Logo aqui com a Dina e todas essas pessoas brigando e com a campainha tocando?
DAREN
Na verdade, eu não pensei...
MARIANA
Eu sei que não. Mas não tem problema. Se sobrevivermos a essa tarde, ainda podemos jantar hoje.
DAREN
Vamos sobreviver sim। Eu tenho boas lembranças de como lidar com situações como esta do tempo que eu era adolescente e morava com minha mãe. Confie em mim.
MARIANA
Eu confio e espero que não sejam assaltantes sanguinários na porta.
DAREN
Eles nunca tocam a campainha.
MARIANA
Abre logo!
Quando abriu a porta, Daren empalideceu. Ficou mudo. Ficou paralisado. Não havia como disfarçar, pois nenhuma experiência do seu tempo de adolescente na casa de sua mãe o haviam preparado para tantas pessoas do sexo feminino no mesmo local. Ainda mais AQUELA pessoa.
GOSTOSA
Daren! Que surpresa boa! Estava ansiosa para te encontrar desde nossa “viagem” para a praia.

MARIANA
Desespero Praiano?!
CONTINUA...
HEHEHE...

Sexta-feira, Abril 06, 2007

Daren e Mariana - Parte VI

Por Alice Salles - Desafio Caixa Preta




Mariana desliga o telefone e logo percebe que foi uma completa louca। Fica desesperada porque já marcou o "encontro" com Daren logo depois de um super esporro que no fundo ela sabia que o cara não merecia। Ela fica parada por alguns instantes decidindo ainda o que irá fazer quando o seu celular toca. A música Hey dos Red Hot Chili Peppers enche a casa. É o Pedro. A tela se divide e você vê Mariana de um lado e Pedro do outro no viva-voz no carro.

MARIANA
Alô...
PEDRO
Que voz de enterro, peloamordedeus!
MARIANA
Ai biba querida, to perdida...
Mariana se senta no sofá e é nítido o quanto está se sentindo mal...
PEDRO
Ai nem vem, não se lembra que hoje a gente tem a reuniãozinha na Dina?
Ao ouvir essas frases no telefone, Mariana leva um susto e lembra que não poderia se encontrar com Daren! Ela havia esquecido que teria que estar na Dina em uma hora!
MARIANA
Ai homem! Eu esqueci!
PEDRO
Não me fale que marcou outra coisa... E não me chama de homem!
MARIANA
Foi! Com o Edge ainda!
PEDRO
(com cara de espanto)O Troglô apareceu?
MARIANA
Sim! E foi do nada, do-na-da! Simplesmente me ligou e fiquei tão perturbada que nem fui eu, foi muito estranho! Comecei a ser grossa com ele, exigir demais sabe? E isso me confundiu a porcaria da cuca, Pedrito...
PEDRO
Menina, já falei que vocês tem que ficar juntos mas é bom esse drama pra dar um gosto... enfim! Agora, na melhor das hipóteses ele vai levar o primeiro fora da vida então liga pro gostosão e desmarca whatever que vocês marcaram, vai logo!
MARIANA
Vou, to indo! Você passa aqui logo?
PEDRO
Passo! Foi por isso que eu liguei, né loira?
MARIANA
Tá, besos!
Mariana desliga o celular e assim que pega o telefone fixo pra ligar para o Daren a campainha toca. Ela fica desesperada xingando deus e o mundo e vai até a porta. Abrindo sem nem olhar quem é dá de cara com Daren. Ela se assusta, os dois se olham sem falar nada. E então ela respira fundo e fala:
MARIANA
Eu não marquei com você aqui!
DAREN
Eu sei... eu só queria saber se você...
MARIANA
Edge, eu tinha esquecido completamente de uma coisa, muito, muito importante! Hoje eu marquei de passar na Dina, com o Pedro... a gente quer fazer uma festinha de aniversário pro Ademir...
DAREN
(sorrindo, com aquele olhar super compreensivo e azul, azul tão profundo quanto a pedra azul do colar de Mariana)
Tá bom, já entendi...
MARIANA
Não tô te dispensando, entende? Preciso mesmo ir... já combinei.
DAREN
Fica tranquila, quando você quiser pode me ligar, mandar e-mail, o que for, tá bom?

Enquanto fala, Daren desce os degraus que levam à porta de Mariana indo na direção do seu carrão estacionado na frente da casa. Está um dia ensolarado, quente mas não tão abafado. Mariana quer dizer algo mas não consegue abrir a boca.
DAREN
Bom... boa tarde e se cuida com a Dona Doida!

Mariana hesita e apenas permanece imóvel na porta de casa e o vê andando na direção do seu carro. Em um momento de leve desespero, sem perder a pose, com o sorriso mais delicioso do mundo e mais linda do que nunca - porque sempre ficava divina em roupas "comuns"- ela toma coragem!
MARIANA
Daren! Espera!

Ela corre ate a porta do carro e ao se inclinar sobre a janela Daren desce o vidro deixando aqueles fios dourados entrarem no carro por causa do vento, aquela imagem ficaria guardada em sua memória para sempre. O sorriso largo e perfeito dela, os olhos levemente marejados e castanhos, os cabelos dourados e emaranhados por todos os lados deixando aquele cheirinho de flores por cima dele.
MARIANA
(sorrindo, quase sem se conter)
Eu queria te dizer que fui uma idiota!
DAREN
(rindo e trazendo a mão ao rosto dela, acariciando sua face)
Como? Nunca seria uma idiota... Só se eu quisesse!
MARIANA
Assim que eu voltar, te ligo. Ainda quer jantar?
DAREN
Definitely!
MARIANA
Então combinado!

Mariana se afasta do carro tirando a mão dele do seu rosto e ele coloca seus óculos ray-ban. sorri meio de lado e vai embora. Ela ainda fica na rua algum tempo vendo seu carro sumir no horizonte e é quando leva um susto com a buzinada de um caro que vem logo atrás e ameaça a atropelar. Era nada mais nada menos que Pedro!
PEDRO
Loira! Acorda, entra aí!
MARIANA
Pera! Tenho que fechar a porta né?
Enquanto Mariana vai de volta para casa para pegar sua bolsa e fechar a porta Pedro liga para alguém no celular. É a voz da Dina no telefone.
PEDRO
Love of my life... The blondie está arrasada! A menina apaixonou, nêga!
DINA
Ai... quem não se apaixona pelo Edge? Não tem como, é ir contra natureza!
PEDRO
Você me faz um favor? Umzinho, please?
DINA
(gargalhando)
Só um porque eu sou mulher de PEDIR favor, não de FAZER!
PEDRO
(rindo mas ficando sério conforme traça seu plano)
Você inventa qualquer história e liga praquele Troglô. Fala pra ele ir pralgum lugar chiquetôso, tá me entendendo? Um restaurante, algo assim a luz de velas...
DINA
Sei sei, mas porque?
PEDRO
Porque depois da nossa reuniãozinha a gente inventa que tá com fome e tal e pega a loira e leva ela pro lugar que ele está! E larga os dois lá, entendeu?
DINA
Ótimo! Vou ligar...E só faço isso porque é a Mari, a minha Mari! Se não nunca gastaria meus neurônios pra participar de algo tão desenvolvido assim!
Ao terminar a frase Dina dá altas gargalhadas ao telefone.


PEDRO
Dina do céu! Mari tá chegando, vai, vai, liga lá pro coisa! Beijos!
DINA
Beijos Peter!

Mariana entra no carro com um rostinho muito feliz e vermelho!
MARIANA
Que foi biba? Com quem tava falando!?
PEDRO
Eu que te pergunto! Quem te deixou com essa cara pós-multiple orgasms!?
MARIANA
Ai sua coisa, dirige logo!
Os dois de entreolham e dão risadas juntos. Ele dá a partida e sai. Enquanto isso Dina está em sua mansão, sentada na poltrona da sala desligando o telefone. Ela está séria e muda, um pouco preocupada. Sobe as escadas vai até o seu quarto e se senta sobre a cama e tira do criado-mudo uma agenda de capa preta e um pouco antiga. De lá ela pega um número qualquer que nós não conseguimos enxergar e liga de seu celular.
DINA
Oi minha linda...
Não fique preocupada mas você sabia que Daren está de namoricos com alguém? (pausa)
Pois é, queria só que você soubesse e ficasse de olho... (pausa)
A Mari... sabe? Minha amiga...
Isso! Poderia estragar tudo, não é mesmo? Só falo isso porque sou sua amiga.
(pausa)
Okay, bela donna, okay... Nos falamos então. Um beijo e-nor-me!

Ela desliga o telefone e a campainha toca. Desce as escadas correndo deixando a agenda sobre a cama.


CONTINUA...

Daren e Mariana - Parte V


Por Fernando Gravata - Desafio Caixa प्रेत




(AINDA NA NOITE DA FESTA)
Pequeno Prólogo, na Casa do Pedro

Pedro dorme feito um querubim; mas um querubim extremamente bêbado
Ademir
(saindo do banheiro da suíte)
- Que vergonha, hein?
Pedro
(não mais querubim, mas ainda embriagadíssimo)
- Hmhn?!?
Ademir
- Esse povo todo vindo te carregar! E quem era o Abominável Homem das Neves de Black Tié?
Pedro
- Dê, pelo amor de Deus, apaga essa luz e vem cá dormir.
Ademir
Nossa! Que cheiro de bebida!
Pedro
- Champagne, Dê... Veuve Clicquot. Acredite, é um porre com estilo.
Ademir
- Aguardo ansiosamente pelo estilo arrojado da ressaca. Eu queria tanto ter ido!
Pedro
- Deixa isso pra lá... Dorme!
Ademir
- Tá! Mas vira pra lá...
Pedro
- O bafo te incomoda, Dê? Que frescura...
Ademir
- Nada... É que você, assim bêbado, tá me dando tesão...
Pedro
- Hum... Sabia que tudo ia melhorar ainda hoje...

PASSAM-SE DUAS SEMANAS
Casa de Mariana. Toca o Telefone. Toca, toca, toca...
Mariana
- Alô! (brava, pois veio correndo)
Daren
- Max?
Mariana
Duas semanas? Você sempre foi um cafajestinho mais ou menos padrão, ou seja, demorava uma semana para dar o 'retorno'. Nunca tive esperança de uma ligação no dia seguinte, mas... DUAS SEMANAS?
Daren
Eu posso explicar...
Mariana
Claro, Edge! Sei que pode. Se te derem tempo, você explica até a teoria da relatividade. E em sânscrito védico. Olha, não tenho nada com isso. Só achei engraçada essa demora...
Daren
Como assim? Era para ligar antes? Estou ligando numa boa. EU VIM EM MISSÃO DE PAZ (em voz mais alta)! Quero te convidar para comer num marroquino ótimo...
Mariana
"...num marroquino ótimo" (imitando Pedro). O que é isso? Esse negócio de "marroquino ótimo" é para quando a gente ainda não conhece direito a pessoa. Está desaprendendo tudo?
Daren
Deixa de colocar sempre as coisas - e em especial as nossas coisas! - nesse esquema de joguinho. Não é um joguinho. Quero sair para jantar com você. Podemos?
Mariana
Hum... Se for nova tática, essa versão "Edge Papo-Firme" me parece interessante.
Daren
Então vamos!
Mariana
Calma, calma... Estou gostando dessa coisa de estar 'no controle'. Por que você não me diz, por exemplo, o que fez nesse tempo em que sumiu?
Daren
Eu não sumi. Meus telefones permaneceram ligados. Eu não saí de minha casa, nem fui à rua disfarçado de Cacique, Rabino, Superman ou coisa que o valha...
Mariana (interrompendo)
Você entendeu, Edge! Você não me ligou!
Daren
Eu ainda terei uma conversa séria com quem estipulou essa regra consideravelmente desigual, que obriga o homem a ligar para a mulher, tal e coisa. É muito complicada a "condição homem".

Mariana
Se você topar ficar menstruado e ter TPM, eu seguro as pontas dessa sua "condição homem". Mas, voltando ao mundo dos adultos, diz pra mim: o que fez nesses dias?
Daren
Como "o que fiz"? Como assim?
Mariana
Edge! Eu sei que tem mulher nessa história. Conta direito...
Daren
Apesar de não lhe dever satisfação alguma, eu posso muito bem contar. Afinal, como está assinalado em nossa peculiar história, não houve uma única vez em que deixei de atender a um pedido seu - em especial os esdrúxulos, como esse.
Mariana
- Ai, fala logo...
Daren
Eu me dei mal, essa é a verdade. E me dei mal duplamente. Sabe quando a gente acha que fez uma merda, e aí faz uma outra merda para encobrir a anterior, mas descobre que a de antes não era exatamente merda, mas a de agora definitivamente é um cocô estratosférico?
Mariana
Não sei por experiência própria, mas tenho excelente noção teórica, já que, ao longo dos tempos, você tem feito esse tipo de coisa quase sempre.
Daren
Pois é. Fiz novamente. E foi horrível. Você sabe que não tenho essas frescuras de remorso etc, mas estou me sentindo o pior dos homens.
Mariana
O 'pior' eu não digo, mas entre os "10 Menos" você de vez em quando consegue ficar, mesmo...
Daren
Eu saí daquele nosso reencontro extremamente feliz. Fui dormir feliz. Mas acordei preocupado. Acordei com medo, enfim, acordei não sabendo muito bem o que pensar...
Mariana
Tá, tá... Essa é a desculpa padrão para não ligar no dia seguinte. E depois você sentiu o quê? Náuseas, ânsia, tontura, o teste deu positivo e você está esperando trigêmeos?
Daren
Apesar de minha barriga ter capacidade para esse hipotético triozinho fetal, não é o caso. Eu me senti mal, mesmo. Rendido, sabe? Me senti entregue, aquela bichice toda. E resolvi parar com isso.
Mariana
- Como assim? Parar com o quê?
Daren
Max, eu tava perdido, ok? Ao mesmo tempo em que me sinto bem por gostar de você, eu me sinto mal por não ter controle sobre esse sentimento. E você, sempre com esse humor e as alfinetadas sem fim, deixa claríssimo e evidente que não me leva a sério. Ok, ok, fiz por merecer. Tenho uma 'ficha corrida' que te dá razão de sobra. Tudo bem. Não quero negar nada disso. Apenas pensei de uma forma pragmática: "A Max não vai nunca me levar a sério e eu não posso pensar tanto assim nela"
Mariana
- Hm...
Daren
E então deixei pra lá. Simplesmente deixei pra lá. Ou melhor... Tentei deixar pra lá. Não consegui. Já na quarta-feira eu estava me sentindo mal, aquela carência...
Mariana
Você carente?
Daren
Sim, eu carente! Do meu jeito e à minha maneira, mas carente. E então o Gustavo...
Mariana (interrompento)
Gustavo! Esse nome é quase que uma palavra-mágica que significa "mulher na parada". Continue. Mas eu sei que é do "Gustavo" em diante que entra a mulher da história.
Daren
É, é isso mesmo. O Gustavo me passou o telefone de uma amiga, enfim, aquelas amigas do Gustavo, sabe?
Mariana
- Se sei... Diga-me com quem andas...
Daren
Eu liguei, marcamos um encontro, ela foi e era - aliás, acho que ainda é - extremamente linda. Ah, gostosa, mesmo. Linda e gostosa.
Mariana
- Que fofura! E você resolveu me ligar duas semanas depois para dizer que está saindo com uma mulher linda e gostosa? Quanta sensibilidade, Edge!
Daren (irritado)
Não estou saindo! Saí nesse dia, nem rolou nada, e aí marcamos de viajar...
Mariana (também irritada)
- Viajar??!!??
Daren
(aumentando o tom de voz para conseguir continuar a história)
- Sim, viajar. Mas nem deu certo. E por uma razão que denomino "Desespero Praiano".
Mariana
Como assim? É um novo ponto de psicanálise? Um postulado psico-patológico? Ou uma daquelas suas teorias malucas ou machistas sobre coisas triviais que ninguém em sã consciência se debruçaria para teorizar?
Daren
Está mais para essa última espécie de tese, mesmo. Mas essa é realmente triste, e tristemente recorrente. Acontece, pelo menos uma vez na vida, com todos e todas
Mariana
Aposto que nunca aconteceu comigo...
Daren (interrompendo)
Pois aposto que já! Deixa eu contar tudo, aí, se quiser, você desliga na cara, faz o que bem entender? Tudo bem assim?
Mariana
Claro, claro... Nem vou desligar na cara, não. Estou adorando essa história e não vejo a hora de conhecer a teoria que dá sustento ao "Desespero Praiano".
Daren
Vou ignorar seu sarcasmo, até porque você é 99% sarcasmo e 1% água. Foi então que resolvemos ir para Ubatuba...
Mariana
Resolvemos quem? Qual o nome da mulher, da garota, sei lá... É alguém que eu conheça?
Daren
- Não, não é alguém que você conheça. E o nome não vem ao caso.
Mariana
- Aposto que nem se lembra...
Daren
- Isso também não vem ao caso. Ei! Posso contar a história?
Mariana
Claro, claro... Desenvolva seu "Desespero Praiano". Estou aqui deitada, já. Estava em pé, sentei, agora deitei. Conta...
Daren
- É o seguinte. Nós, homens, fazemos muito isso. E repetimos a coisa várias e várias vezes, porque somos criaturas idiotas. Somos uns estúpidos que não aprendem com as próprias experiências...
Mariana
- É bom que você fala sua parte e também a minha, né? Eu realmente só preciso ouvir...
Daren
- Porque, olha só!, eu REALMENTE ACREDITEI que havia condições de passar um final de semana com a garota, entende? Não fiz por maldade. Fomos na sexta à noite, e eu tinha planos e compras de supermercado para ficar até domingo...
Mariana
- E....?
Daren
Após a primeira gozada, ainda na noite de sexta, eu não via a hora de voltar. Fastio pós-coito. Quando isso acontece na praia, nesse contexto de suposta "viajinha romântica", eu chamo de "Desespero Praiano".
Mariana
- Por que o desespero?
Daren
Porque não via a hora de voltar. Eu não sabia como passar mais dois segundos com aquela garota. E ela abraçando, fazendo carinho, falando do quanto era mágico aquele momento... Quanto mais eu pensava em estar longe, mais e mais ela se aproximava. E nós dois lá em Ubatuba, quilômetros e mais quilômetros distantes de São Paulo...
Mariana
- Ué, por que não voltou?
Daren
Voltar como? Era um final de semana. Mas eu precisava dar um jeito. Não teria como voltar na sexta, então tive que sair do quarto, liguei para o Gustavo e pedi que ele me retornasse a ligação em uma hora, por aí.
Mariana
- Por quê?
Daren
Vai ouvindo! Ele retornou, porque já sabe do "Desespero Praiano" e os homens são extremamente solidários e compreensivos nessa hora.
Mariana
Tá, tá! E...?
Daren
- Eu atendi, claro. Ele ficava enrolando de um lado da linha, enquanto, do outro, eu dizia "Nossa!", "Como assim?", "Claro, amanhã mesmo!". E então disse para a garota que precisaríamos voltar sábado pela manhã, o mais rápido possível, porque o Gustavo estava com um problema sério e precisava de uma carona até Lorena.
Mariana
E ela?
Daren
Ela perguntou se não seria melhor voltarmos na própria sexta, e aí eu disse que não, de forma alguma, o próprio Gustavo disse que daria na mesma ir no dia seguinte. Eu disse a ela que pelo menos teríamos o prazer de uma noite juntos...
Mariana
- Você é um canalha!
Daren
Sim, eu sou, mas ela adorou esse meu romantismo e pelo menos não criei uma inimizade. Mas criei um monstro!
Mariana
- Um monstro?
Daren
Claro! No dia seguinte, tive certa dificuldade para explicar à moça que não seria de bom alvitre ela nos acompanhar até Lorena. Em primeiro lugar - e isso eu disse a ela - , porque se tratava de um problema íntimo da família do Gustavo, sobre o qual eu nem poderia falar muito...
Mariana
- E, em segundo lugar...?
Daren
- Porque a viagem não aconteceria, claro. Mas isso eu não disse a ela. Até aí, tudo bem. Passa sábado, domingo... Na segunda ela liga. Eu dou uma desculpa. Na terça, idem. E eu, ibidem. E assim por diante. Deve ter apaixonado pelo sexo, sabe?
Mariana
- Que sexo, Edge! Nada contra sua performance, mas a moça em questão se apaixonou por seu romantismo. Se você tivesse escancarado um pouco mais sua falta de caráter, ela não ligaria uma única vez.
Daren
- É difícil entender vocês, viu? Fazemos o possível para que as coisas não sejam dolorosas, mas acaba ficando doloroso é para nós, os homens!
Mariana
- Será que a essa altura você já pode me dizer exatamente qual é o motivo da ligação? Jajá essa mocinha se cansa de correr atrás, cai na real, algum outro idiota a convida para uma viagem à praia e pronto. Agora, diz pra mim, por que me ligou?
Daren
- Porque eu quero te ver. Eu gosto de você.
Mariana
- Eu também gosto de você, Edge. E gosto de molho vermelho com macarrão al dente. Gosto de filmes de puro entretenimento, gosto de pipoca sem muita manteiga... Enfim, gosto é gosto.
Daren
- Estou falando sério agora, Max. Eu realmente gosto de você.
Mariana
- Não, não gosta. Vai dar "Desespero Praiano"! Aliás, desculpa, mas essa teoria é mesmo sua?
Daren
- Não, não é. Já passei por isso infinitas vezes, mas a teoria, a teoria-teoria mesmo, é de um outro amigo, o Isaías.
Mariana
- Esse eu não conheço...
Daren
- Nem queira. Mas, enfim... Vamos nos ver?
Mariana
- Por quê? E quando? Onde? Duas semanas depois, Edge?
Daren
Max! Eu saí com ela para te esquecer! Eu poderia muito bem não ter contado nada disso. Caramba! Vamos jantar, pelo menos...
Mariana
- "Pelo menos"? E o que seria o "pelo mais"? Uma noite de sexo selvagem?
Daren
- Ou duas, ou três... Mas, falando sério, vamos jantar. Quero te ver, falar contigo. Vamos?
Mariana
Não, não vamos. No máximo, tomaremos um café. E, se quiser, vai ser agora. Não sou como você, Edge. Se é para conversar, eu falo na hora. Não faz sentido criar suspense.
Daren
- Melhor assim. Tô passando aí!
Mariana
- O café é aqui ao lado. Não vamos para outro. Vamos para esse, e a pé.
Daren
Tá, ta, tá... To indo praí agora mesmo!

CONTINUA...

Quarta-feira, Abril 04, 2007

Desafiozinho básico.

Good evening ladies and gentlemen,

Hoje, para minha total angústia e aflição, meu teclado resolveu inexistir. Agora estou de teclado novo, me batendo feito uma analfabeta para achar as letras que insitem em fugir dos dedos, e os dois pontos que desapareceram totalmente. O que eu quero dizer mesmo, de verdade, que deixou meus dedinhos aflitos, é o seguinte. Dois pontos.

DESAFIO CAIXA PRETA
Aproveitando esta onda deliciosa de todo mundo escrevendo sobre o mesmo assunto...eu resolvi convocar Felipe Iubel, Flávia Melissa, Alice Salles, Marcos Freitas, Gravata, Carol Garofanie todos os meus amigos que têm dedos afiados e cérebros cheios de minhoca.
O desafio é continuar a história de Daren e Mariana.
Os quatro primeiros episódios estão no arquivo de Novembro/2006 e foram escritos com formato de roteiro. Não é necessário manter o formato. Só é necessário continuar a história.

Regras - dois pontos.
1 - Quem topar o desafio tem que avisar pra gente poder organizar quem escreve qual capítulo. Seria injusto deixar todo mundo escrever o mesmo.
2 - Não é permitido esquecer que = dois pontos.
a) Mariana é arrogante, mas não é grossa. No fundo - às vezes no razo - ela é doce.
b) Daren é brilhante, irônico, divertido, engraçado. Não perde a oportunidade de fazer gracinha, quase sempre relacionada a sexo. But...apesar de um ogro, ele é “o último romântico”. Ninguém é mais doce, mais sedutor, mais delicioso.
3 - DO NOT ESCULHAMBAI-VOS. Quem escrever precisa ter em mente que esta história pode se transformar em alguma coisa grande. E boa. Apesar de ser puro divertimento, tá cheio de parque de diversões faturando uma fortuna por aí. Lembre das coisas que você odiou ler ou ver no cinama e não repita!
4 - Quem chegar por último é mulher do padre.

Beijos

Mais sobre a casa do lago

Por Felipe Belão Iubel



Eu não tenho nada melhor pra dizer, além da verdade:
"Antes de trazer as palavras de volta, os mesmo transeuntes efêmeros e inconstantes passaram pela casa. Foram sozinhos em busca da paz que a realidade não traz. Foram e voltaram em silêncio. A porta não rangeu, pois no imaginário do imaginário, na fantasia da fantasia, tudo é mais simples. Mais silêncio e mais melancolia. Solidão. Intensidade. Fuga. Aliás, a tal fuga era a principal desculpa para que a casa do lago fosse utilizada por ele, sem que ela estivesse por lá também. Fugir de um mundo difícil de compreender e ainda mais complicado de se fazer compreendido. Um planeta de água salgada das lágrimas que escapavam nas noites mais escuras. Porém, não na casa do lago. Mesmo na fantasia da imaginação, o lugar era cheio de silêncio, magia e paz. Paz. Magia. Silêncio..."

Por Flávia Melissa





Ocasionalmente o silêncio era quebrado por um ou outro suspiro mais profundo, pois a casa era viva e sonhava. E quando ela sonhava, as imagens confusas e borradas mostravam os sonhos que eles tinham; primeiro ela, depois ele, os sonhos se misturando já que a casa era parte viva da imaginação dos dois. Um espaço-brecha no tempo e no espaço, contraditória intersecção da fantasia de ambos, que se misturavam e se transformavam em unidade, naquela casa.
A casa se sentia só, as plantas sentiam frio e a ausência daquele cheiro de café a atormentava; ela desejava ser preenchida de novo, de que vale uma casa se ninguém a habita?
Seus sonhos mostravam cenas difusas de borboletas coloridas voando, insetos rodopiantes no ar em busca de luz, um caminho sinuoso ladeado de pedrinhas coloridas, e ela, sempre ela, com seus cabelos dourados agitados pela brisa que brotava do lago e se espalhava pelo vale. Logo em seguida as cenas mudavam, imagens dela sentada em uma sala muito clara, sozinha, bebendo de um café que não tinha gosto e nem cheiro. Olhando pela janela, fitando o nada, o olhar perdido em uma selva feita de pedra. O cigarro queimando no cinzeiro, folhas de papel amassadas jogadas pelo chão, num branco-nuvem que aguardava pelo amarelar.
Em seguida vinha a imagem de um ele atormentado, tentando se encontrar num mundo brutal e sem aconchego. Seus pensamentos o entorpeciam e ele tinha vontade de voltar para casa, sem saber, entretanto, onde é que ficava esse lugar. Um lugar no qual se sentisse feliz de ser quem era, no qual não precisaria temer seus próprios pensamentos. No qual não precisava ter, bastava ser.
Em uma noite de outono, a casa dormia um sonho intranqüilo. Sonhos dela olhando para o lago, borboletas coloridas enroscadas no cabelo, enquanto ele ligava o velho gramofone que tocaria, em breve, a música que era de seus sonhos em comum. A música começava a tocar, e de repente um vento forte soprava, forte demais para que ela continuasse a admirara névoa que surgia do lago, forte demais para que ele pudesse ficar dentro da casa sem que todos os papéis amarelados voassem por todo o canto.
A casa do lago acordou do sonho, poesia que se tornou pesadelo e aflição. Sonolenta e confusa, identificou dois pontos luminosos, brilhando na parede, bem ali, onde deveria estar a janela.
Com esforço fixou o olhar, e percebeu que os dois pontos luminosos eram, na verdade, dois olhos. Dois olhos de um gato, que não se sabe como ali havia entrado e se sentado na janela, fitando-a enquanto dormia, guardando seu sono.
E de repente, naquela noite de outono, a casa se sentiu tranqüila; as plantas não mais sentiram frio, a despeito do vento forte e ruidoso que soprava lá fora. A lareira se acendeu como por mágica, aquecendo o ambiente. Saindo pela chaminé, uma fumaça suave e brilhante atraiu a atenção dos insetos.
O vento parou, e o que antes era angústia e incerteza se transformou em silêncio. Magia e paz.
A casa do lago estava viva novamente.

Comentando o comentário

Por Mercedes Gameiro




"Minha vez .
Dona Flávia caiu de para-quedas no meio do trem andando, sem saber de nada, e sentou na janela! E eu adorei.
Então vou contar para quem não sabe:
A velha casa do lago, faz parte de um universo paralelo, habitado por pouquíssimas pessoas, que andaram por lá, sempre em situações extraordinariamente estranhas.
Na primeira vez que a porta se abriu, a casa serviu como cativeiro para um sequestro. Sequestro do bem...embora confuso, atrapalhado, cheio de brigas e beijos... mas os personagens se confundiam. As atitudes de um, com a trilha sonora de outro. As vontades de um refletidas no outro...Como se um rosto fosse só uma máscara. Como se a raiva fosse outra coisa qualquer. Uma confusão tão grande que a própria autora, quando relê, se pergunta: "Mas de quem diabos você está falando?"
A segunda vez que a porta se abriu, não houve briga, mas ninguém sabe direito o que houve. Houve uma paz imensa, cercada por velas acesas, muita conversa, muita risada, mas faltava nessa história o tom que havia na primeira. Desta vez, havia uma alegria triste, acompanhada de uma lágrima às vezes, um sorriso sério às vezes. Uma saudade estranha...saudade do presente.
Talvez uma briga tempestuosa, como é hábito entre os dois habitantes da casa, fosse o necessário para que tudo explodisse, mas não! - Eles têm esse defeito estranho: são iguais, são completos, se completam; mas não sabem chegar a menos de 30 centímetros um do outro. Há uma intimidade sim, mas ela é distante. Talvez se eles soubessem gritar um com outro ao vivo, como sabem fazer escrevendo...talvez...sei lá. Eles nunca tentaram. É como se fossem furacões quando escrevem, e carneirinhos quando falam.

O que os une é gigantesco. Maior do que o maior dos amores, sem ser. Há uma linha imaginária que os separa, imposta por eles mesmos, como se a única união possível fosse esta. E é. Ou não. Ou... vai entender a cabeça da escritora que os criou...
Mas quem diria que justamente estes dois poderiam deixar a casa envelhecer?
Ainda se fossem os outros dois...Mas logo eles? É quase iconcebível.

Me fez bem imaginar aquela louca descendo até o lago com borboletas nos cabelos, e as páginas amarelas finalmente revelando as palavras. É impossível não imaginar que ao voltar, depois de ver a névoa no lago, ela perceba um movimento dentro da casa, se aproxime devagar, amedrontada... ouça aquela velha música tocando lá dentro...e o encontre sorrindo para ela no sofá. "And so it is...just like I said it would be..."

Mas aí, eu vou ter que começar tudo de novo, e pensar no que esses dois vão fazer para recriar uma história - quase das cinzas - e recomeçar...

Sem dúvida, Flávia, eles não poderiam fazer nada sem os dedos entrelaçados."

O que fizemos aqui não foi nada senão trazer as palavras de volta.
Este blog está feliz!

Para ler a primeira história da casa do lago, clique aqui.
Para ler a outra história da casa do lago, clique aqui.

Terça-feira, Abril 03, 2007

Dobradiças e Borboletas


Por Flávia Melissa


"A idéia de uma porta que se fecha para nunca mais se abrir era, em si, a mais angustiante de todas.
Enquanto ela andava pelo caminho íngreme que levava até o lago, lá embaixo, todo ladeado por pedrinhas pequeninas de todos os formatos, pensava na quantidade de óleo que seria necessária para que as dobradiças não rangessem mais.

A brisa suave nos cabelos fez com que algumas borboletas, que sempre a acompanhavam, se enroscassem em um ou outro fio dourado de cabelo, mas ela não ligou, por que a simples presença de suas coloridas asas já traziam de volta a certeza de que as folhas amareladas voltariam a estampar as miúdas letrinhas que tantas cartas, trocadas entre eles por anos a fio, haviam preenchido.
E a presença dele ao seu lado, os dedos entrelaçados e a sensação de borboletas no estômago... eram uma simples questão de tempo."

(Adoro troca de letrinhas no meu blog)

Respondendo à Flávia Melissa




por Felipe Iubel
(que nem sabe que eu estou publicando isso)


"No último dia de março, a porta se abriu preguiçosa. As dobradiças rangeram alto e espalharam som e luz pela casa. Entrou também o calor atípico de um início de outono que marcaria o lugar e seus habitantes. Porém, essa simples palavra, “habitantes”, não poderia jamais resumir nem aquelas, nem esta historia.
Os dois eram muito mais do que isso. Eram transeuntes efêmeros e inconstantes, aprisionados em sonhos inebriantes de terras imaginárias. Verdadeiros artífices das letras, genuinamente apaixonados pela intensidade das frases que escapavam nas folhas de papel.

Era o último dia do mês de março, é verdade. Mês que fechou o verão do ano ímpar e os trouxe de volta. Quando as dobradiças terminaram de ranger, as folhas de papel amareladas e em branco voaram espalharam alegria e renovação pela casa que tantas idéias viu passar.
Um entrou logo em seguida do outro. Sem que ninguém, nem mesmo eles, soubessem que estavam ali. Borboletas também entraram pela janela.
Tudo isso no último dia do mês de março."

Respondido?

A velha casa do lago



Há muito o tempo que a casa do lago estava vazia.
Aquela trepadeira de jasmim havia tomado a varanda, mas suas flores não tinham o perfume de antes. Dizem que as plantas sentem frio na ausência da dona da casa... Pois o jasmim não perfumava, as rosas não abriam, e as flores plantadas na janela já nem queriam mais viver. Janelas cerradas, dobradiças enguiçadas, a cor querendo fugir das paredes. Vazio.
Não foi uma vez só que ela escancarou as janelas, aumentou a música, abriu uma garrafa de vinho e sentou no sofá, tentando fazer as paredes voltarem a sorrir.
Não foi uma vez só que ela acendeu a luz da varanda e quis ver os insetos voando em círculos, maravilhados com o brilho.
Não foi uma vez só que ela pos a água no fogo e esperou pelo apito, querendo em seguida o perfume forte do café misturado com a madeira queimando na lareira. Nem uma, nem dez.
Mas o apito da chaleira não era mais parte da música que deveria brotar do chão daquela casa.
Os blocos de papel em cima da mesa de centro estavam amarelados pela ausência das letras.
A névoa que levantava do lago de manhã trazendo cheiro de água e sono, havia desistido de amanhecer.

Nunca mais flores e música. Nunca mais perfumes e luzes.
Ninguém ousou pisar na soleira da porta depois daquele dia.

Sinal dos Tempos...



00:16 no MSN e no Google Earth:

- Rafa! :
achei!

- Mercedes© :
entao...é no meio do nada. Tem o mar de um lado, o canal da marina do outro. E depois do canal da marina, é o aeroporto de LA, então fica um monte de luzinha voando, subindo e descendo o tempo todo. E lindo!!!

- Mercedes© :
Eu andei pela praia de 33 57 56 N, 118 27 19 W ...até a torre.

- Rafa! :
e assim o goolgle mudou as conversas para sempre!

Segunda-feira, Abril 02, 2007

Um par por escrito

Bonnie & Clyde
Houve um dia um par.
Sim. Um par.
Uma dupla.
Uma coisa feita de dois.
Feita dos dois malucos mais adoráveis de que jamais se teve notícias.
Eles eram únicos, e eram dois.
Com as pontas dos dedos eles construíram coisas que ninguém sonha.
Com as pontas dos dedos eles foram partners in crime.
Hank e Sarah.
Bonnie and Clyde.

Com as pontas dos dedos, sua melhor ferramenta, eles marcaram suas vidas.
A vida de um na vida do outro.
Os sonhos de um nos sonhos do outro.
(E deixaram a platéia assistir)

Os próximos posts são uma das melhores lembranças que eu tenho do tempo em que as pontas dos meus dez dedos ansiavam pelo momento de se saberem vinte.
Agosto de 2005. Contos Scrapianos. Histórias escritas a quatro mãos.
Enjoy

Delírio - Primeira parte

Mercedes Gameiro

Os dois sóis nasceram na hora exata em que o mestre disse que aconteceria.
Era assim todos os dias em Delírio. As coisas aconteciam exatamente na hora que o Mestre dos Chifres Dourados ditava a ordem: hora dos sóis nascerem. Hora dos sóis apagarem. Hora dos pássaros de luz fazerem o espetáculo sobre a ilha. Hora de todos os seres começarem o dia de acordo com o dia da semana – Preguidei, aguadei, lavordei, paixodei, sixtday, partidei e nassingdei.
Cada dia era dia de algo importante se o Mestre assim quisesse.
Os sóis de Delírio entravam cada um por uma janela da choupana escondida onde morava Drímer Redinclauds. Já era mais do que hora de levantar e seguir os sinais sagrados até a mata, mas ela pensava em desobedecer às regras nesse Aguadei do mês dos Sóis Opostos: Dia quente, bom para sonhar. “Por que Delírio não tem um dia para sonhar?” Pensou olhando para a caixa de sonhos que conseguiu roubar do Mestre: o grande “Istóriquétier”
Sonhar era um dos três pecados capitais segundo as escrituras sagradas da Ilha. E Drímer, a pecadora mais bela.
Toda vez que sua caixa se abria, uma nova história era projetada no teto azul da choupana. Drímer passava noites e noites viajando através do teto ilustrado por contos, sentimentos e aventuras mágicas. “Por que o Mestre nos priva do sonho, se ele mesmo os coleciona?”
Questionar era outro dos três pecados capitais, segundo as escrituras sagradas da Ilha.

Delírio - Parte 2

Felipe Iubel

O terceiro e talvez mais grave dos três pecados capitais era o amor. Não um amor qualquer, mas o amor intenso que ultrapassasse o limite do autorizado pelo Mestre. Para Drímer Redinclauds o amor só aparecia em algumas das imagens dos sonhos colecionados e aprisionados no “Istóriquétier”. Ela ainda não compreendia o sentimento. Porém, já admirava a coragem que ele despertava em cada luz amarela ou vermelha que parecia brotar da simples caixa de madeira maciça que guardava os maiores segredos da Ilha de Delírio. Em comparação com esta luz cheia de uma nova esperança, todas as regras e todos os dois sóis do lugar pareciam azuis e frios.
Azuis e frios como os dois olhos que a observavam pela janela leste de sua choupana. Era ele, o Mestre em pessoa. Ela fechou a caixa num gesto singelo e rápido. No entanto, ele sabia. Ele sempre sabia.
- Vejo que te divertes com um de meus brinquedinhos – disse ele num tom amável que não abria espaço para questionamentos.
Ela se levantou. Aproximou-se da janela do sol oeste. Olhou para a luz e esta lhe pareceu cinza e ainda mais fria. Não sabia o que dizer.
- Drímer, Drímer. Tu conheces os três pecados. Por que insistes em cometê-los? Eles apenas te conduzirão a tua própria infelicidade.
- Eu sei disso tudo – afirmou ela, impondo sua beleza por toda a choupana.
O próprio Mestre pareceu estremecer e a jovem sonhadora notou um brilho diferente nos olhos dele. Um brilho que jamais notara em suas outras esparsas e raras visitas. Como se o azul dos olhos daquele homem cheio de experiência e virtudes brilhasse com o vermelho dos sonhos transgressores de amor.
- Ora, mas não consigo evitar os sonhos – continuou ela. – Sinto-me atraída por eles. Tanto pelos meus próprios quanto pelos sonhos alheios. Por cada brilho, por cada chama que estes sonhos despertam. Pelas cores jamais vistas. Pela luz jamais revelada.
- Receio que tu almejas algo inalcansável, minha bela jovem. E o inalcansável, assim como o proibido, conduzir-te-ão a tua própria infelicidade. Agora, devolva-me a caixa e evita tais pensamentos.
Drímer entregou o “Istóriquétier” com um movimento suave que combinava com sua beleza. Ao soltar o objeto deixou que seus dedos tocassem de leve na mão firme do Mestre. Ele estremeceu. Sorriu desconcertado. Girou nos seus trajes turquesa de tecido leve e deixou a choupana. Entretanto, não rápido o suficiente para esconder da garota o brilho insistente da nova luz em seus olhos.

Delírio - Parte 3

Mercedes Gameiro

Drímer deteve-se na janela por alguns minutos, observando o rastro de luzes amarelas e vermelhas que o Mestre deixava ao desaparecer na estrada estreita mesmo sob a luz dos dois sóis de Delírio. Suas duas sombras, projetadas uma para cada lado, tornavam sua imagem mágica: Três seres, muitas cores. “Estranho...o poder do Mestre não consegue poupá-lo de parecer tão frágil quanto o resto de nós.”

Lavordei. Como o nome diz, é dia de trabalho. Muito trabalho para Drímer – responsável pela limpeza das almas da Ilha de Delírio. É preciso esperar a hora mágica: a hora em que as sombras desaparecem no encontro dos Sóis. Dois minutos, vinte e quatro segundos e nove décimos era o tempo que ela tinha para lavar, purificar e renovar as 26.419,83 almas que habitavam as matas de Delírio para proteção dos seres vivos. Quem melhor do que Drímer Redinclauds para uma função tão delicada?

Assim que os sóis começaram a subir, Drímer pôs-se a caminho da mata. A estrada era escura mas ela não tinha medo. Medo era coisa rara por essas bandas, onde os seres são felizes e obedientes.
Depois da curva da pedra que brilha, Drímer sentiu um calafrio. Seu corpo ficou paralisado pela sensação de ser vigiada por grandes olhos vindos da mata. Nunca sentira nada parecido. Não conhecia o pavor, a angústia, o temor - sentimentos novos, de cor opaca, sem luz. Olhando em volta, percebeu luzes vibrantes por entre as árvores.

Julgou ser algum animal feliz e voltou para o caminho. As luzes projetadas por animais felizes são diferentes das luzes projetadas por seres felizes. São vermelhas e amarelas como a luz dos sonhos no “istoriquétier”. “É porque os animais não seguem as leis.”

Já na Cachoeira dos brilhos, balançou o pequeno guiso dourado de chamar almas, sentou-se na beira do lago e sorriu ao ver o alegre balet de luzes claras que as almas dançam no dia da limpeza. “Calma, queridos, ainda é cedo. Não precisamos de sombras quando queremos luz. Dancem! Meu coração se alegra com a sua festa!”
Drímer gargalhava de alegria e enchia a cachoeira com sua beleza. Seu sorriso, sozinho, já era capaz de purificar o dobro das almas que ali estavam. Na hora mágica, Drímer mergulhou no lago com seu guiso e seu sorriso. Todas as almas a seguiram de pronto para a purificação.

Ao voltar para a superfície, Drímer encontrou uma das almas sentada na pedra.
- Seus olhos brilham diferente hoje Drímer.
- É porque estou feliz.
- Vejo que encontrou o amor.
- Shhhhhh! Não diga isso! Eu não saberia reconhecer o amor se o visse. Você sabe. É pecado!
- Não percebe, Drímer, que algo mudou na sua luz?
- Sim, mas deve ser porque dormi pouco.
Olhou para os lados, aproximou-se da alma e continuou, sussurrando:
- E li as luzes secretas do istoriquétier do Mestre...
- Leia suas próprias luzes, minha menina. É onde você vai encontrar o que procura.
- Mas o mestre disse que isso me levará à infelicidade.
- Isso poderá salvá-la, Drímer. Mostre isso ao Mestre.

A alma gentil se foi com movimentos suaves. E, novamente, a sensação terrível de que grandes olhos gélidos a observavam voltou a assombrar Drímer. Sentiu seu sangue congelar. Sua luz própria pareceu diminuir em brilho por alguns instantes. Um ruído misterioso. As harmoniosas árvores ao seu redor pareciam esconder o próprio medo e a própria solidão. Algo se deslocava sombriamente. Drímer procurou utilizar de sua luz para revelar a identidade do algoz de sua alegria e de sua felicidade. Nada. Mais sombras. Seu poder e sua beleza pareciam limitados diante de tamanho perigo. Ameaça. Pensou em correr. Tarde demais.

Delírio - Parte 4

Felipe Iubel

Por entre as folhas das belas árvores revelaram-se três terríveis olhos negros. Tão escuros como as penas das aves de mal agouro que jamais existiram na Ilha de Delírio. Tratava-se de uma besta mítica da qual ela havia ouvido falar em histórias infantis que sempre julgou fantasiosas. Uma lendária figura que jamais se revelara para nenhum dos discípulos do Mestre ou dos Senhores anteriores. Um animal que castigava os pecadores em tempos de perdição já esquecidos. Um resquício de épocas pouco retratadas ou contadas. Tratava-se de um Barún.
A ausência de brilho. A respiração ofegante de um predador envolto em manto cinza diante de sua frágil presa. A cachoeira já não podia mais ser vista. Escuridão. Seus três grandes olhos repletos de maldade avaliavam os movimentos da indefesa Drímer. O Barún parecia desfrutar do mais intenso dos prazeres sádicos. Crueldade. Aproximava seus dentes e suas garras da pele macia da belíssima jovem, gerando um contraste ainda mais notável do que o de todas as luzes no istoriquétier do Mestre.
Ela tentou fugir. Porém, a fera a impediu e apresentou toda sua fúria. Rugidos que mais pareciam os gritos de sofrimento de suas vítimas. Apoiou-se apenas nas patas traseiras revelando todo seu poder selvagem e sua força cinza. E, quando o Barún se aproximava, aparentemente pronto para torturá-la com ferimentos terríveis e abatê-la com dor insuportável, a esperança surgiu num feixe de luz.
Uma forte luz turquesa fez arder os olhos sensíveis das árvores. Era o Mestre. Ele, como um herói épico, colocou-se entre a pecadora Drímer e o animalesco Barún. Levantou o braço. Dedos unidos. Mão espalmada. Gesto imponente de ordem. O manto cinza da besta já não afligia o coração da jovem. Os sons da cachoeira já podiam ser ouvidos outra vez. A sabedoria, a coragem e a voz do mestre formavam um conjunto metafísico poderoso.
- Eu sou o Senhor e Mestre das Luzes do Povo de Delírio. Afasta-te. Eu te ordeno!
Conquanto, a fúria selvagem de um animal lendário como aquele não seria aplacada tão facilmente. Os rugidos que imitavam brados de dor soaram em resposta. O Barún atacou o mestre num golpe que misturava dentes e garras. Violência e força. Num gesto rápido do Mestre, o animal teve dois de seus três olhos perfurados pela luz turquesa. Gemidos. Dor. Sangue. A fera fugiu aflita, perturbada e perdida. Correu raspando suas garras e seus dentes em árvores que não desviaram seu caminho. E, só quando o manto cinza já escapava dos olhos de seu Mestre e salvador, Drímer viu a luz turquesa diminuir. Ele rompeu o silêncio.
- Drímer, tu foste avisada sobre os perigos do amor!
Ela tocou com graciosidade nas mãos dele. Luzes amarelas e vermelhas. Seus olhos se encontraram. A emoção e a intensidade do toque suave não deixava espaço para a lembrança da violência cinza. Nada além daquele novo sentimento importava.
- O que sinto agora, Mestre, é diferente de tudo. É para mim uma novidade tão surpreendente quanto agradável. Nem mesmo a mais terrível das ameaças que acompanham este sentimento podem me fazer desistir agora. Ainda mais agora...
- Porém, deves abdicar de tal sentimento... todos devemos.
A voz dele vacilou. Seus olhos fecharam de cansaço por alguns segundos.
- Já está além dos limites da minha própria vontade. O sentimento já ultrapassou a fronteira onde a decisão ou a parcimônia das luzes alcançam.
- Neste caso, só me resta temer pela tua vida.
- Pela minha vida, Mestre? Ou pelas nossas vidas?
Inesperadamente, a luz turquesa voltou a ganhar força. Brilhava mais que o perigoso amarelo e que o transgressor vermelho. Drímer não suportou a magnitude que aquela luz precisou chegar para se sobrepor às outras. Desfaleceu e, quando recobrou a consciência, já era aguadei.”

Delírio - Parte 5

Mercedes Gameiro

“- Eu sou o Senhor e Mestre das Luzes do Povo de Delírio. Afasta-te. Eu te ordeno!”
A frase do Mestre ecoava no sonho febril de Drímer. O gesto imponente de sua mão. “As mãos eloqüentes do meu Mestre...” Os gemidos do Barún faminto. Os olhos negros.
- Drímer...Ouça a minha voz. Sinta a força dos meus sonhos...você precisa voltar para mim...
Uma lágrima escorreu pela face arrasada do Mestre e escolheu o olho de Drímer para repousar. A lágrima turquesa acordou a bela das profundezas de sua angústia.
- Meu Mestre?
A voz trêmula ainda sem forças.
Num abraço forte de desespero e alívio, o Mestre levantou o corpo de Drímer, colando o coração fraco dela no seu. Sua mão poderosa apoiava cabeça de Drímer em sinal de proteção. Luzes vermelhas e amarelas.
- Minha luz mais poderosa...o que eu faria sem poder sentir-te em meu peito?
- A dor Mestre. O que é essa dor?
- Que dor, minha amada? Não permitirei mais a dor em Delírio...
- o manto cinza do Barún causa uma dor horrível. Uma lança enfiada no peito. Insuportável!
- O manto cinza é o algoz do amor, Drímer. Rejeição. Solidão.
- Não entendo...Se este sentimento não existe em Delírio, por que haveria um algoz. E por que eu sinto esta dor?
- Era a minha dor que sentias: o que restaria em mim se fosses abatida.
- Ele vai voltar?
- Sim. Ele sempre volta para punir os pecadores.
Os seres de Delírio não compreendiam as luzes que riscavam o céu acima do Templo dos Mestres.
Não é permitido ao Barún se aproximar do Templo. Desde que a lei e os pecados foram criados, é sabido que ao povo é dada a felicidade de jamais amar, logo jamais sofrer. Aos mestres é reservada a dor do conhecimento, da perda e do amor não correspondido. Aos mestres é dado o direito de colecionar sonhos e guardar sentimentos; e a sabedoria das luzes e cores; e a angústia de saber o que não se pode tocar.
Na segurança do Templo, o Mestre derramava suas lágrimas Turquesa para que Drímer recuperasse sua alma debilitada pelo manto cinza do Barún.
Os seres da Ilha desconheciam o ocorrido na mata perto da cachoeira. A vida corria normalmente em Delírio com seres fazendo tudo de acordo com o dia de fazer o que está no nome do dia. Mas um gemido de dor na mata, projetava uma luz cinza no céu da Ilha. Nem os Sóis Opostos conseguiam mudar tal coloração. Seria preciso proteger toda a Ilha da Besta que, cega, já desconhecia o propósito de sua existência.

Delírio - Parte 6

Felipe Iubel

A defesa apaixonada do Mestre deixara o Barún com apenas um olho, mas, ainda assim, cego. A fúria controlava a retina que escapara ilesa. Seu lado selvagem mostrava-se fora do controle. Vingança. O ódio que a besta sentia da luz tornava-a ainda mais perigosa. Então, as vítimas começaram a aparecer.
Partidei. As belas árvores amanheceram despedaçadas. A população de Delírio escandalizada, procurava uma explicação. Só Drímer e o próprio Mestre sabiam que o amor causara tamanho desastre.
Mais alguns dias passaram. O cinza aumentava. Não havia explicações, exceto nos sussurros proibidos. A escuridão crescia em vários pontos. Havia mais de uma só fonte de perigo. O Mestre estranhamente se recolheu para a mais longa meditação que o Templo dos Mestres presenciara. Ele pode ouvir as vozes dos Senhores do Passado. Alguns o condenavam.
- Tu rompeste com o juramento secreto de manter teu povo longe das dores e sofrimentos decorrentes do sentimento incontrolável!
- Tu desonraste teu templo e teu povo!
- Tu traíste a confiança depositada em ti pelas luzes!
Outros o questionavam com veemência.
- Aonde tu acreditas que tal sentimento conduzirá a ti e a teu povo?
- Não julgas que chegou a hora de escolhermos um novo mestre?
A resposta direta e firme dele, o atual Mestre e Senhor da Ilha de Delírio, silenciava e despertava a reflexão de seus antepassados.
- Eu sou o Senhor de Todas as Luzes, assim como Senhor de minha própria vida e de meus sentimentos. Não deixarei que nada destrua meu Povo. E, sim, o destino me permitiu amar. E, sim, amarei com a intensidade de minha luz. Sei que Vós me julgais por tal decisão. Porém, tal sentimento agrega mais vida e mais luzes para meu povo. Minhas forças e meu conhecimento alcançam hoje níveis que jamais poderão ser questionados por nenhum de Vós. Portanto, não sereis Vós, com a proteção da paz de um passado distante, que me convencereis dos benefícios de reprimir tal amor. O momento exige que as novas luzes sejam reveladas e apenas com tais luzes e com tais sentimentos a ameaça será para toda eternidade banida e a paz verdadeira - até hoje apenas sonhada - reinará em Delírio. Paz feita de luzes de amarelo e vermelho. De paixão e de amor. É assim que eu, o Mestre Desses Tempos de Cinza, agirei. Venho ao templo buscando conselhos sábios e auxílio generoso.
- Então... podeis Vós, Mestres e Senhores do Passado, oferecer-me o que busco? Estender-nos-eis a mão nesse momento que mistura o amor com as dificuldades?
O Mestre permanecia no Templo, quando a primeira luz se apagou. Um luz violeta se perdeu num dos pontos de cinzas que se espalhavam pela mata. Luz iluminada de criança inocente. Sempre distante e alheia aos confusos sonhos proibidos. Desconhecedora pueril dos três pecados. Lágrimas. A primeira grande perda. Dias passavam.
- O Barún furioso espalha o terror. Não posso mais esperar por vosso conselho. Hoje abandono o Templo, com ou sem a ajuda de Vós que sois meus antepassados, meus guias e meus mentores. Lamento não corresponder às expectativas de sentimentos contidos. Viro as costas tão decepcionado quanto vós. O Barún já não é só um. Várias são as feras de um só olho repleto de fúria cega, espalhando a morte pelas luzes de meu povo, de nosso povo. Minha luz turquesa não será suficiente nessa guerra.
Seus passos decididos. Suas mãos tocaram as portas. Lágrimas molharam suas vestes.
- Espera!
O mais antigo dos Mestres e Senhores materializou-se e tocou-o no ombro.
- Muitas são as eras que atravessamos. Muitas foram as dificuldades que enfrentamos. Porém, nunca O Povo das Luzes teve um Mestre tão sábio como tu, Rygan Brëiver. O teu amor por aquela jovem se estende a todo teu povo. Um amor incondicional. Um amor idealista e apaixonado que realmente não conhecemos e por isso tanto tememos. Ainda assim, muitas são nossas lendas. Muitas são as nossas verdades nunca ditas. E, num tempo passado em que o amor e a destruição também caminharam unidos, um Mestre e Senhor perdeu sua luz e sua alma e seu espectro e sua vida e sua voz, mas seu amor materializou-se na forma dessa luz. Vermelha, como nosso sangue.
O espectro do Senhor do passado revelou uma luz mais forte que todas as luzes da vida. Uma luz que aquecia e inebriava.
- Como nunca ouvi ou vi tal luz?
- Nós a temíamos e por isso a mantivemos aprisionada em locais que só uma boa morte nos permite alcançar. Mas a hora chegou. Ajoelha-te, Rygan Brëiver. Ajoelha-te e aceita esta luz como tua nova luz.
O espetáculo de mudança do turquesa para o vermelho se assemelhava ao encontro de duas cachoeiras em sua plena força. Cachoeiras coloridas. Fontes com enorme vazão de luz e poder. Somente os olhos poderosos dos Senhores e Mestres suportariam aquela mudança transcendental inédita na história da Ilha.
- Levanta-te, Rygan Brëiver. Agora és o Senhor e Mestre Supremo das Luzes dos Sonhos Proibidos.
Por todos os cantos. Em cada sombra. O cinza se espalhava na forma de uma nova palavra: medo. Havia medo nos olhos de cada um. O desequilíbrio entre as luzes. Até mesmo as 26419,83 almas gentis recolheram-se. A beleza já não era tão intensa. O amor inaudito entre um grande e sábio e uma pecadora sonhadora desequilibrou toda Ilha de Delírio. As pessoas começavam a se questionar a respeito da força do Mestre. “Talvez a solução para tal conflito esteja além da sabedoria dele.” Drímer espalhava sua luz, cada dia mais amarela e intensa, e sua delicadeza pelo povoado. Confortava famílias tristes. Sorria para os aflitos. Aconselhava na confiança no seu Mestre.
- O Mestre sabe o que faz.
Contudo, o tempo passava. Mais luzes se apagavam. Sobrava escuridão em cada lágrima de dor pelos habitantes desaparecidos. “Será o amor um ato inconseqüente com relação ao mundo ao redor? ” Casas e tarefas abandonadas. Os sóis nasciam tristes e cada vez mais tomados pelo cinza. Drímer gritava por dentro com saudade daquele que a despertou para o amarelo e o vermelho. Questionava-se, mas continuava sorrindo para o povo. “Solidão e tristeza nascem do amor?”
Quando as portas do Templo do Mestre se abriram, muitos se aglomeraram para observar o espetáculo de beleza da nova luz que desfilava. Drímer correu para os braços daquele que amava e confiava. O beijo nasceu do encontro de luzes jamais vistas. O vermelho dele. O amarelo dela. A natureza do sentimento dos seres vivos de Delírio revelada finalmente. Todos aplaudiram. A esperança nasceu nos corações. Com a salva de palmas, as luzes aumentaram em intensidade. O Mestre deu um passo forte. Estendeu o braço. Dedos unidos. Mãos espalmadas.
- Eu já fui apenas Rygan Brëiver. Eu já fui a luz turquesa, o Senhor e Mestre das Luzes do Nosso Povo. Agora, ao lado de Drímer, com nossas luzes unidas, anuncio que hoje é o dia de nossa libertação. Anuncio que o istoriquétier será aberto para todo o sempre. Anuncio que, como Senhor e Mestre Supremo das Luzes dos Sonhos Proibidos, banirei a ameaça cinza de nossa Ilha para que a Era dos Sonhos, tão esperada e aguardada, tenha início!
Dias e mais dias. Luzes assustadas, mas esperançosas e confiantes. A luz vermelha do novo e mais poderoso dos Mestres foi em busca de cada cinza. Batalhas sangrentas travaram-se. Sangue. Fúria. Dentes. Garras. Vermelho.
- Afasta-te da Ilha de Delírio! Eu, o Senhor e Mestre Supremo das Luzes dos Sonhos Proibidos, ordeno-te!
O lado selvagem e o desejo de vingança da besta a impediam de fugir. O ataque era sempre inevitável. Movimentos rápidos. Brilhos intensos que iluminavam largos trechos da floresta. Luz vermelha que cortava a carne cinza sem distinguir ou separar os dentes, a pele e as garras. Luz que se misturava com o sangue de mais um animal, desta vez não apenas ferido, mas abatido. Rygan Brëiver protegia seu povo. Eliminava os Barúns por todos os cantos da floresta.
Conquanto, o cinza só fazia aumentar. Mais luzes desapareciam. O Mestre decidiu então não mais partir em busca das feras, mas ficar no povoado para impedir novos motivos para que mais lágrimas fossem derramadas. Drímer via sua luz amarela aumentar em poder e força. Percebia também o cansaço de seu amado. E, durante um beijo intenso, entendeu que chegara a hora dela participar da batalha. Contudo, ele temia pela vida dela mais do que por sua própria e pediu para que ela permanecesse com os outros e os protegesse. Ela sorriu com afeto e derramou mais de seu brilho pelo povoado.
Mais dias. Mais batalhas. Mais Barúns mortos. O cinza continuava tomando conta da ilha. Nassingdei. O Mestre recuperou um jovem das garras de uma das bestas. Elas agora articulavam seus ataques. Ele se viu cercado por mais de três animais. Segurava o corpo do jovem ferido e se encontrava numa posição desprivilegiada para seus movimentos rápidos e para sua luz certeira. Mais bestas chegavam. Cinco. O cinza tomava conta do vermelho do Mestre e do azul fraco do jovem ferido. Onze. Numa explosão de vermelho intenso três animais foram golpeados. Vinte e três. Rygan estava cercado. Cinqüenta. Incontáveis Barúns com um só olho ao seu redor. Olho cheio de fúria cega. Dois braços para cima. Mãos espalmadas. Dedos Unidos. Ele usou todo seu poder, sabedoria, força e amor para produzir a maior explosão de luz da história de todas as eras de todos os povos. Várias bestas foram derrubadas, mortas. Dentes e garras espalhados. Sangue. Um espetáculo de destruição do manto cinza.
Porém, uma delas sobreviveu. Um Barún de tamanho descomunal, com dois olhos perfurados. Apontou sua fúria cega para o frágil portador da luz vermelha. O Mestre já não contava com toda sua força após a explosão que produzira.
- Podes destruir minhas criaturas, Luz Vermelha! Porém não podes acabar com o meu poder cinza!
- Eu te ordeno, Senhor dos Barúns! Abandona a Ilha de Delírio e leva contigo tuas criaturas que só causaram dor e sofrimento!
- Tu me deformaste! Tu e teu povo pecador pagarão! Não perdoarei ninguém! Não sobrarão luz e alma. Não sobrarão pecado e sentimento!
A gigantesca criatura, num golpe certeiro de luz cinza, abateu primeiro o jovem e, em seguida o Mestre. Os dois caíram com dores terríveis. O Senhor e Mestre Supremo das Luzes dos Sonhos Proibidos sentiu que o golpe final se aproximava. “Minha morte está próxima.” Pensou em seu povo. Pensou em Drímer. Imaginou sonhar quando uma luz amarela intensa surgiu, produzindo um clarão explosivo.
Drímer derrubou o Senhor das Bestas com sua luz cheia do mais puro sentimento. No entanto, a fera levantou e, ao levantar, trouxe consigo dezenas de outros Barúns das profundezas de seu manto cinza. Com seu Mestre caído, ela olhou a sua volta em desespero. Lágrimas ainda mais amarelas deslizaram pelo seu rosto. Lágrimas que consistiam num verdadeiro clamor à vida. Um grito de liberdade. “Sentimentos e sonhos.” Reforçou o brilho de sua luz, pronta para morrer enfrentando todas as bestiais criaturas. Eis que surge o exercito gentil e belo das 26419,83 almas para seu auxílio, socorro e proteção.

Delírio - Parte 7

Mercedes Gameiro

"Não é o fim”, pensou Drímer, percebendo que a presença das almas traria ainda mais força à sua luz.
Perspicaz, surpreendendo até mesmo às almas, ela sorriu para o Senhor dos Barúns um sorriso terno, de pena e lamento, deixando escapar uma única lágrima amarela solidária e reluzente que escorreu por sua face. Drímer recolheu a lágrima na palma da mão e estendeu o braço, oferecendo sua bondade infinita ao ódio do mostro.
O olho odioso da Besta não suportava a visão daquele sorriso e fez com que dez partes das criaturas voltassem para seu manto, por puro pavor. Sem olhar para os olhos de Drímer, a besta se debatia contra o que restava da floresta cinza, deixando soar alto os grunhidos e gemidos de suas vítimas torturadas. Dentes, garras, sangue. Mais uma vez o grande Barún se debatia contra as árvores que não desviavam de seu caminho
As almas cercavam a floresta, unidas pelos fios de prata que as ligava ao universo real. Os fios de prata uniam as almas e a floresta, Drímer e os sóis opostos, o Mestre e o Templo dos Ancestrais, todos unidos a todos. Uma imensa teia prateada aprisionava o Senhor dos Barúns e suas criaturas malévolas. A Ilha estava envolta na rede de luz e brilho prateados: 26.419,83 fios de prata vezes 26.419,83 almas, vezes 26.419,83 sorrisos de Drímer, multiplicados pelo número de mortes causadas pelos Barúns, vezes todas as luzes jamais avistadas na Ilha de Delírio.
Num cântico sagrado inaudível, cantado com palavras que não são ditas, amor não revelado, luzes amarelas e vermelhas, todo pecado escondido, toda mentira de amor, todo sorriso velado, toda paixão repentina e todo desejo calado; o grande coro de Almas enfraquecia o Senhor dos Barúns perdido entre árvores na teia de prata.
Os Barúns agonizavam desesperados em sua dor cinza, sentindo pela primeira vez, na própria carne, a dor e o sangue dos amantes pecadores. O sentimento desconhecido de bondade e paixão pela vida fazia com que a besta sofresse dores profundas, insustentáveis. Lágrimas cinzas regavam o chão da floresta trazendo luzes novas ao solo queimado pela dor.
Numa explosão gigantesca de luzes e gritos que combinava a canção divina das almas, a luz amarela de Drímer e o pesar da Besta, a grande teia rompeu-se em raios prateados riscando o céu de Delírio.
- Rygan...é sua vez de ser forte, meu bravo Mestre. Ouça o meu desejo de vida. O manto cinza se foi... É preciso voltar e reinar, meu amor.
Drímer chorava suas lágrimas amarelas sobre os olhos de Rygan Brëivier, enquanto os seres de Delírio enterravam seus mortos numa triste comemoração.

Delírio -Final

Felipe Iubel

Após a explosão da grande teia, os fios prateados se distanciaram da Ilha por toda a eternidade. Infinito. Universo. Espaço. Pontos luminosos distantes. Da destruição do cinza dos Barúns, nasceram todas as estrelas de um planeta e de todos os outros. Um novo conjunto iluminado de sóis prateados tomou conta do céu da Ilha. Delírio finalmente sucumbiu ao mais belo dos pecados. Não existia mais a noite. Não havia mais as trevas. “Não há o que temer!”
O fim da batalha marcou o início da Era dos Sonhos na Ilha de Delírio.
Tudo o que se criou, continua sendo lembrado por todos os povos apaixonados que se espalharam pelas galáxias de um universo de mistério. Tempo e Espaço esconderam a lenda. Porém, nem o tempo pode apagar a luz nascida do amor de Drímer Redinclauds e Rygan Brëiver.